Traduzir não é trair

Traduzir não é trair

Congresso dos Escritores Lusófonos, 1993

 

O que é traduzir?

Precisamente porque a tradução é uma interpretação e o tradutor interpreta a partir do seu imaginário, faz sentido perguntar o que é o Brasil no imaginário dos tradutores da literatura brasileira.

A resposta a esta pergunta obviamente depende da nacionalidade do tradutor. O Brasil não é o mesmo no imaginário de um americano, de um japonês ou de um francês. Eu vou restringir o Brasil ao imaginário de um dos povos europeus, o francês, o único que eu efetivamente conheço não só por ter vivido na França, mas ainda por ter me exercitado na tradução do francês para o português e na versão do português para o francês.

O Brasil para o francês é, por um lado, um país onde se plantando tudo dá, e, por outro, um país onde o melhor fruto seria a instrução da sua gente.

Os efeitos dessa ideia sobre a tradução podem ser facilmente deduzidos. Ainda que o tradutor não se identifique inteiramente com o imaginário da sua cultura, ele quer satisfazê-lo para ser lido, e tenderá a traduzir anulando o que ele não entende e o seu público não se dispõe a saber, ou seja, a diferença propriamente dita. Compensatoriamente, ele promoverá os fatos exóticos, através dos quais a França se apropriou do Brasil. Assim, o espírito satírico do brasileiro é descartado e a religiosidade e os rituais em que a cultura francesa nos reconhece são promovidos, porque a antropologia francesa os estudou e a propaganda turística repetidamente os exibe. Isso significa que, da nossa cultura, só passa o que é sério, o sérieux, e o brincar, que nos caracteriza, não passa.

Mas o tradutor é, de certa forma, tão pouco responsável por isso quanto o seu público, que nós nunca nos ocupamos de formar, precisamente por não acreditar na importância da nossa particularidade e, antes, desejar parecer com o europeu.

Noutras palavras, a literatura brasileira só poderá se inscrever na literatura internacional e ocupar o lugar que lhe é devido quando nos ocuparmos da imagem do Brasil no exterior e da imagem da lusofonia no mundo. Isso significa que é preciso conceber a ignorância do outro e se dispor a formá-lo, deixar, portanto, de considerar que o Brasil é o mundo e assumir o desejo tão legítimo de existir, de se internacionalizar.

Para exportar literatura, precisamos não só nos reconhecer na nossa cultura, mas também saber transmitir o que é nosso ao outro, ou seja, ensinar o tradutor a traduzir.

 

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Congresso dos Escritores Lusófonos, São Paulo (SP), 1º de dezembro de 1993.