Quem escuta vive melhor

Quem escuta vive melhor

Betty Milan
Este texto foi publicado com o mesmo título na
Folha de S. Paulo; 5/04/2001.

Mamãe tem 83 anos. Não parece, porque ela nunca fala do envelhecimento e nem da idade. Considera que não é um bom tema. Comporta-se dessa maneira por não querer incomodar os outros e correr o risco de ficar sozinha. Ela certamente assinaria a frase de Machado de Assis: “A dissimulação é um dever quando a sinceridade é um perigo”. O fato é que mamãe se tornou uma grande estrategista. Nisso, aliás, está a sua sabedoria.

Até um tempo atrás, sua única falha era, do meu ponto de vista, não abrir mão de me servir alimentos que não posso comer: doces e frituras. Claro que ela fazia isso para que eu e ela privássemos exatamente como no passado. Não era então ela que determinava na infância o que eu devia ou não devia comer? Nada dissuadia minha doce genitora dessa maneira de se conduzir. Até que um dia eu perdi a paciência:

‑ Ora, por que você não escuta?

Embora não tenha gostado, ela mudou. E nossa relação se tornou mais afetuosa. Para falar nos termos da atualidade jornalística, a qualidade de vida melhorou. A escuta faz isso, tem um poder inestimável. Na falta dela, a gente morre. Com ela, a gente se salva.

O que eu mais lamentava no final da Faculdade de Medicina, quando fui interna no Hospital das Clínicas, era a surdez de muitos colegas. Por ter observado que várias doenças poderiam ser evitadas se o médico escutasse o paciente, cheguei a pensar numa tese de doutoramento sobre as consequências nefastas da surdez.

Poucas pessoas nascem com a capacidade da escuta, que pode e precisa ser desenvolvida. Desde que mamãe completou 80 anos, eu também me exercito nisso, escutando o que ela conta sobre o passado, seu tema favorito. Não só porque eu assim conheço melhor a minha história, mas ainda porque ela se alegra falando da infância na casa dos pais ou das cartas de amor que recebeu. Sei bem da importância do antidepressivo na terceira idade, porém, garanto que não há remédio melhor do que a escuta.

Escutar é um ato generoso. Implica que eu deixe de falar e de dizer o que quero, que eu esteja aberta para o que o outro quer dizer. Requer a contenção e a paciência, duas qualidades valiosas.

A escuta é a característica do psicanalista e também do amigo, que sabe estar com o outro sem impor sua presença. Precisamente por isso, o amigo é da paz, e a sua forma de se conduzir pode servir de modelo para todas as outras relações, a que existe entre mães e filhos, entre marido e mulher, entre irmãos…

E mesmo entre os amantes, que não são felizes quando têm como modelo a guerra — a exemplo dos personagens de Ligações perigosas — ou quando se amam sem se ver e sem se escutar. Amam-se cruelmente e em geral não terminam bem.

Com o terceiro milênio, já soou a hora de inventar um amor que seja amigo — que não será maior, mas será certamente melhor. Um amor fundado na escuta, na aceitação das diferenças.