Prolongar a vida e o sofrimento?
P: No livro, a narradora encontra na escrita um “escape” da nova fase de sua mãe e, consequentemente, de sua nova vida. Escreve, então, para uma outra mãe. Essa “nova mãe” pode ser a própria mãe, mas a do passado, com quem ela poderia desabafar sobre seus dramas?
BM: Sim, é exatamente isso. Na impossibilidade de se comunicar com a mãe, ela passa a escrever para a mãe que ela teve e já não está mais. Ou seja, escreve para uma mãe imaginária sobre o drama que ela está vivendo na vida real.
P: O livro é um romance, mas baseado na sua história com Dona Rosa. Quando começou a escrevê-lo?
BM: Quando me dei conta de que ela estava distante de mim. Me queria por perto, mas já não queria saber dos meus problemas – problemas meus ou de quem quer que fosse. Precisava da presença das pessoas para se saber viva, porém, havia perdido a possibilidade de escutar e dialogar como antes.
P: Conviver com uma pessoa idosa é perceber as pequenas dificuldades do dia a dia, sejam as motoras, sejam, por exemplo, as da hora de administrar as próprias finanças. Mesmo assim, algumas pessoas decidem se afastar, em vez de participar dessa fase. Por que isso acontece?
BM: Meu livro trata disso repetidamente. As pessoas se afastam porque se espelham nos ancestrais e não suportam a sua decadência física.O envelhecimento dos pais nos faz envelhecer também. Nós nos sentimos desprotegidos e temos medo. No meu romance, além da filha, existe o filho, que não quer se ocupar da mãe. Quer ser chamado quando ela morrer e pronto.
P: O fato de você ser médica e psicanalista, com certeza, te proporciona outras visões da situação. Mas o quão diferente é a Betty médica, psicanalista, olhando para a velhice e a Betty-filha, vivenciando a condição?
BM: Se eu não tivesse uma formação de médica e de psicanalista, eu não teria escrito A mãe eterna, porque, para isso, era preciso observar como os médicos fazem e escutar como os psicanalistas. Mas o que me levou a observar e a escutar minha mãe foi a tentativa de superar o drama que eu estava vivendo – o de ter que passar da condição de filha para a condiçao de mãe da mãe.
P: Assisti ao curta-metragem sobre Dona Rosa, que você compartilhou em sua página no Facebook. Ao ser perguntada “Como é ter 95 anos?” e ela respondendendo “É horrível!”, isso me remeteu a diversas situações e à seguinte questão: por que é tão difícil para os familiares e pessoas próximas aceitar que, a partir de certo momento, prolongar a vida não passa de prolongar o sofrimento? (Mesmo que o próprio idoso tenha toda a lucidez e consciência ao tratar da própria condição).
BM: Claro que prolongar a vida, para além de um certo limite, significa prolongar o sofrimento. Mas, por um lado, nós somos educados para suportar o sofrimento, que, do ponto de vista do cristianismo, nos aproxima de Deus. Por outro lado, nós estamos na mão dos médicos, que, por narcisismo, querem vencer a morte. Com isso, o fim das pessoas é mais sofrido do que poderia ser. Sofre o doente e sofrem os familiares, que acabam desejando a morte da pessoa querida. A situação não pode durar, porque um terço do que é gasto com a saúde vai para o tratamento da doença terminal.
P: Um assunto que você aborda no livro é o suicídio assistido. Acredita que as novas gerações podem passar (ou estão passando) a tratar do assunto com mais clareza? Estão aceitando mais?
BM: Acho que sim. Mas, por enquanto, só se fala do suicídio assistido no caso da doença terminal, ao passo que a velhice extrema também é penosa. A pessoa mal anda, não escuta, não enxerga, é dependente. Um dos temas de A mãe eterna é o sofrimento que a dependência causa.
P: Você se planeja para esta fase, de velhice extrema?
BM: Honestamente, eu não quero chegar lá; e, no momento, estou me planejando para escrever um outro livro sobre o qual eu não pretendo falar agora. Clarice Lispector dizia, com toda razão, que a gente não deve falar do que está escrevendo.
P: Atualmente, você está cuidando de sua mãe. Vivendo este momento, você quer ser cuidada por seu(s) filho(s)? O que você almeja para si quando estiver nessa fase da vida?
BM: Meu filho é um anjo, mas eu gostaria de não me tornar dependente e não dar trabalho para ninguém. Ainda é cedo para pensar nisso, porque estou em muito boa forma.
P: Muitos idosos buscam ambientes controlados e voltados especialmente para eles para viver. Mas, para muitos, o principal obstáculo é a própria família. A que você atribui essa resistência?
BM: O que eu posso dizer é que, para a minha mãe – a única idosa cuja história eu conheço verdadeiramente –, é fundamental continuar na casa dela. Nós estamos fazendo o possível e o impossível para que ela possa ficar. Pude constatar que ela ficou mal no hospital. Agora, as condiçoes sociais e as pessoas são diferentes. Cada caso é um e tem que ser analisado para encontrar a solução.
P: Você moraria em um local como esse?
BM: Não.
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O popular, Rio de Janeiro (RJ), junho 2016.