Plínio Marcos, o camelô da literatura
Betty Milan
Este texto, do livro Isso é o país, foi publicado como
“Do coração da psicanalista para o coração do camelô”,
O Estado de S. Paulo, 3/06/1986
“MALDITO CAMELÔ” é a manchete do jornal. A foto é indubitavelmente dele, tamanco e boné: Plínio Marcos, camelô da literatura. Tão implicado na venda dos seus livros quanto na escrita, pagando com a sua pessoa para sustentar o escritor e se arriscar pela palavra.
A prova do risco são os doze anos sem poder exercer o ofício de cronista ou trabalhar como ator. Isso durante a Revolução. Mas a Nova República também o censurou, não o editando. Pudera! Ele ousou não ser partidário, querer o fim do partido, do guru, do pai, do mestre, do Estado, das fronteiras — gaiola alguma lhe convinha. Abaixo a submissão, a idealização e os nacionalismos! A direita não suporta vê-lo de tamancos, e a esquerda não o perdoa, pois sobretudo não se concebe sem o Estado e a subvenção. Nascer com os funerais pagos e morrer curado é o voto dela.
Plínio Marcos nem à direita nem à esquerda, tampouco no centro, só onde o risco estiver, porque aí está o real, o que interessa à literatura.
Terá ele sido vítima da Revolução ou da Censura, que se aplica necessariamente a quem ousa pronunciar as palavras de ordem dele? A quem só fala para destruir ilusões, quer a verdade e a errância que permite saber dela, se quer o andarilho, o cigano e o marginal.
O jornal não lhe dá espaço? Ora… o espaço todo é dele, de quem — por não ter apego — pode ver, ser o vate, o vidente e o visionário. O jornal não é dele; o tempo, sim; não só porque Plínio Marcos dispõe de tempo para si, mas porque não será esquecido. A cultura milita através da sua obra.
Ele não quer ser um modelo; porém, bem pode servir de exemplo. Tem a ousadia de denunciar o conservadorismo de todos os partidos e o comodismo dos produtores de cultura.
Plínio Marcos é um artista que está irremediavelmente só, porque esta é a condição da sua arte e da subversão em que ele se exercita não se comprometendo, não se alienando, apostando todo dia em Plínio Marcos, ainda que ninguém tenha 10 mil cruzados para editar o seu Na Barra do Catimbó. Também pela teimosia, ele é exemplar e único.