Pelo suicídio assistido
P: Como é lidar com a sua mãe nesta situação, sendo ela algué que criou os filhos e teve muitas responsabilidades durante a vida? Como é ver uma mulher forte se tornar frágil?
BM: O meu livro, A mãe eterna, foi inspirado pela dificuldade de passar da condição de filha para a de mãe da mãe. Nesta passagem, perdemos o protetor, a pessoa que nos escuda contra a morte. Noutras palavras, passamos para o front, ficamos expostos, na primeira linha. Nesse momento, é preciso ter coragem para ajudar a pessoa e para se ajudar. O livro foi o meu ato de coragem. Acho que o o sucesso dele se explica pelo fato de a narradora dizer o que normalmente ninguém diz e pelo fato de as pessoas se reconhecerem no que ela diz.
P: O que tem aprendido com ela neste momento? Como é a convivência de vocês agora?
BM: Quando escrevi o livro, minha mãe estava relativamente bem, mas não a ponto de poder fazer o que bem entendesse, como fez a vida inteira.Tinha limitações físicas, que a impediam de sair sozinha na cidade. Andava com dificuldade, escutava pouco e enxergava mal. Mas, de repente, ela saía, correndo o risco de ser atropelada.Tive que aprender a pôr limites, com delicadeza, a driblar para chegar à minha meta. Percebi que é inútil se opor frontalmente ao idoso, que tende a dizer não para afirmar sua independência. Quem percebe isso consegue não se irritar com ele e aprender a paciência.
P: O que a sua mãe pensa sobre esse fim da vida? Ela gostaria de ter a opção de morrer quando quisesse e nos seus termos? Por ser ainda bem ativa, ela pensa nisso?
BM: A minha mãe é uma mulher quase centenária e, para a geração dela, a morte tem que acontecer quando já não é mais possível viver. Isso, na prática, pode significar uma vida com sofrimento físico e sem independência. Minha mãe quer a morte natural, e esta vontade será respeitada. Cada um tem o direito de escolher seu fim. Só que, enquanto as pessoas não forem educadas para escolher o desapego antes de que a vida se torne indigna, elas não conseguirão fazer esta escolha, ficarão nas mãos de Deus e do médico, cuja tendência é prolongar indefinidamente a vida. No meu livro, trato desta tendência, decorrente do narcisismo do médico, que deseja vencer a morte.
P: Entendo que você é a favor do suicídio assistido, da eutanásia. Por quê?
BM: A eutanásia e o suicídio assistido são diferentes. No primeiro caso, não é o próprio paciente que escolhe, é outra pessoa, e eu não preconizo a eutanásia. Sou favorável ao suicídio assistido, pois o que importa, do meu ponto de vista, não é a vida biológica, que pode ser prolongada indefinidamente, e sim a vida vivida na sua plenitude. Acho que devemos lutar para prolongar esta vida e ter a liberdade de partir quando isto se impõe.
P: Sendo a favor do suicídio assistido, como se sentiria se a sua mãe quisesse esta opção?
BM: Minha mãe viveu 98 anos com saúde. Se a opção dela fosse ir embora com a ajuda de um médico, eu não me oporia.
P: Acha que o debate sobre a eutanásia ainda é pouco levado à sério? Por quê?
BM: Que eu saiba, o único país onde a questão da eutanásia foi seriamente debatida é o Canadá. O debate é censurada pela Igreja e pelos médicos. Mas vai surgir no planeta inteiro quando não for mais possível prolongar indefinidamente a vida – por razões econômicas. Hoje em dia, uma grande parte da verba destinada à saúde se orienta para os três últimos meses de vida, o que é uma aberração quando há tantas crianças morrendo de fome no mundo inteiro.
P: Acha que, como sociedade, não somos preparados para lidar com a morte?
BM: Cada época lidou com a morte de uma determinada maneira. A nossa época tende a afastar a pessoa que vai morrer e deixá-la morrer sozinha no hospital. Ou seja, tende a separar a morte da vida, negar a morte. Isso é um grande malefício, porque nos faz perder tempo.
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Correio Braziliense, Brasília (DF), junho de 2016.