Roberto Carlos (2003)
Betty Milan
Este texto integra a nova versão
do livro Isso é o país
Por que Roberto Carlos é o Rei? Que magia é a dele? A de quem ama o amor como ninguém e a sua amada para todo o sempre. A de quem canta com essa força na alma e, assim cantando, faz quem ama e quem não ama ver o sol e as estrelas.
Contrariando os tempos, ele nos faz ouvir que “o amor é importante”, “levanta as águas do oceano” e “nem o céu, nem as estrelas, nem mesmo o mar ou o infinito é mais bonito”. Roberto sabe que não há gozo maior do que o gozo dos que se amam, que só a estes é dado viver o sexo como uma aventura. Canta, portanto, à contracorrente da “liberação sexual”, que só aboliu a interdição do prazer para impor como modelo uma experiência da sexualidade pobre, sem imaginação.
E Roberto Carlos é o Rei porque o amor, seja ele qual for — o dos amantes, o da mãe pelo filho ou o que a religião prega —, é decisivo para todos. Propicia a surpresa e a renovação da vida que desde sempre buscamos. Os portugueses então não atravessaram o mar para beber na fonte da juventude? Largaram do Tejo vislumbrando um paraíso onde a Fonte de Juventa jorrava. “Você é minha vida”, canta Roberto Carlos, referindo-se à amada e assim exprimindo uma verdade da qual estamos profundamente convencidos.
O amor tanto faz morrer quanto viver. Levou Romeu e Julieta a padecer no inferno e os levou para o céu. Só ele faz ver a lua e as estrelas. Por isso o cantamos, mesmo quando dói. Roberto não canta a esposa morta por ser masoquista, mas porque, ao cantá-la, a faz de novo existir e fica menos infeliz. Assim, nega a morte e esquece momentaneamente a condição de viúvo. O romantismo torna sua existência possível. Melhor um amor infeliz do que amor nenhum.
Queiramos ou não, vivemos do encontro ou da busca do “amado-amante”. A palavra “junto” é a que nos faz vibrar, a mão na mão. E, para quem ama, nada é pior do que a separação. A fim de estar no céu com Jesus, Santa Teresa queria morrer e, por isso, dizia: “Quero morrer de não morrer”. Isolda, que não podia se casar com Tristão, preferia a morte à vida.
Quando o encontro é impossível, o amor é trágico. Do contrário, ele é só contentamento, suspende o tempo, faz a eternidade soar. Por esta razão, Roberto diz que o amor é eterno. E, além de eterno, dá a ilusão de que não estamos sujeitos à morte. De que somos como os deuses, imortais. Nesse caso, ele é sinônimo de força.
A vida precisa deste sentimento para vingar. Mas só o escritor ou o cantor podem exaltá-lo. São amados precisamente porque fazem o que ninguém pode fazer sem causar estranhamento. Os dois gozam de uma licença para exibir a dor ou se entregar à desmesura — a licença poética ou musical. Quando Roberto canta “Vivo por ela, ninguém duvida”, sabemos que ela é Maria Rita, a esposa falecida, e sentimos a sua dor. A cor branca da roupa que ele usa se associa à paz, mas também ao luto. E quando ele canta “O amor verdadeiro é o amor sem limites”, até podemos num primeiro momento estranhar, porém, depois, entendemos a partir da nossa experiência que só é verdadeiro o amor que “não cabe no peito”, que não aceita limites.
Quando Julieta pede a Romeu que troque de nome para que ela possa com ele se casar, Romeu responde: “Me chama de meu amor e eu estarei rebatizado”. Faz pouco da limitação imposta pelo nome ou pela vida, pois nunca evita o risco de ser assassinado. O texto de Shakespeare é difícil e, no entanto, ele foi e é popular. Talvez precisamente pelo fato de os personagens serem quase loucos, desmesurados. A desmesura é a nossa vocação comum e tanto pode nos matar quanto nos salvar. Nos torna capazes dos atos mais baixos e dos mais grandiosos.
Como o rei D. Pedro I de Portugal (1320-1367), que eternizou Inês de Castro, a mulher com quem ele secretamente havia se casado e que foi assassinada a mando de seu pai, D. Afonso IV. Para fazer a glória de Inês, o rei primeiro fez da morta uma rainha. Logo que Afonso IV morreu, mandou que desenterrassem o cadáver da amada e o assentou num trono, obrigando a nobreza a se apresentar diante dela e a lhe beijar a mão. Depois, construiu para Inês um túmulo grandioso em Alcobaça, uma das obras-primas da arte medieval.
Roberto Carlos faz tão pouco da morte da sua amada quanto D. Pedro I. Canta sempre para ela, levando-nos a reverenciar Maria Rita, o amor que ele nunca esqueceu, “a mais estranha história, a brincadeira mais séria, o amor mais amigo”, saudade que ele gosta de ter. Ao fazer isso, o nosso trovador faz o Brasil reverenciar o amor amigo, como antes havia nos feito amar o amigo, “o mais certo das horas incertas”. Por isso, e ainda por ser um pacifista convicto, Roberto é o Rei.