Por que ficamos gordos
Revista Veja, 03/11/2010
Quem vai aos Estados Unidos se depara necessarimente com a fat misery, obesidade mórbida, ou melhor, miséria gorda. O passo de quem teme se desequilibrar, o corpo precedido pela barriga, os ante-braços afastados das pernas e as mãos como abanos, a vítima desta forma de miséria cruza o seu caminho. Na rua, no restaurante, no elevador, podendo causar horror ou pena por se tratar de um ser humano tão aberrante quanto frágil.
Quase 30% dos americanos são obesos e a fat misery sextuplicou nos Estados Unidos nos últimos vinte anos. Pela primeira vez na história, a nova geração viverá menos do que a geração dos pais. Corre o risco de morrer precocemente de hipertensão, arteriosclerose, infarto, além de estar mais exposta ao câncer. Assim como lá, a população brasileira fica cada dia mais gorda. Quase metade das pessoas, está acima do peso.
Ainda que os livros sobre dieta conquistem a lista dos mais vendidos (na categoria de auto-ajuda),não existe uma reflexão séria sobre o assunto e tampouco uma política de saúde consequente, que se oponha aos efeitos nefastos da indústria da alimentação, valendo-se dos meios de comunicação de massa para reeducar as pessoas.
Uma reflexão séria não se limita a estudar hábitos alimentares, a estabelecer uma relação entre o aumento do consumo de comida e a diminuição do preço da mesma, por exemplo. Considera o significado da saciedade para nós e o uso que o mercado faz disso. Com exceção da cultura francesa, que privilegia a degustação, o resto do Ocidente induz a comer até sentir o estômago cheio, ou seja, valoriza a saciedade. E é com esta valorização que a indústria conta para se desenvolver, fazendo pouco dos imperativos da saúde porque não é preciso se saciar para estar nutrido. Pelo contrário. O nutricionista inclusive ensina a sair da mesa com fome.
A cultura alimentar do glutão resulta de uma conduta perversa em relação ao corpo— perversa pois faz do prazer a única lei do desejo. Visa somente o prazer imediato e negligência o estrago provocado pelo excesso de comida. Ensinar a contenção é tão importante quanto acabar com a fome.
Quem se entrega à gula e cultiva a desmesura, não come para viver. Na verdade, morre pela boca. Exatamente como o peixe, que morre por abocanhar a isca. Além da doença, a comida continuamente bocanhada, ou seja, ingerida na indiferença aos efeitos da mesma, provoca o envelhecimento precoce. Quem se exercita na arte do não morrer sabe não cair na esparrela da comida. Porque, como a bebida ou a droga, ela pode matar.