A Mãe Eterna IV

Para humanizar o fim da vida

P: Você iniciou o livro com “Se eu pudesse”, mas queremos saber se sua mãe pudesse responder a este livro, qual seria a resposta verdadeira dela. “Se ela pudesse…”

BM: Acho que ela diria “Ter você foi uma alegria sem fim, imensa. Sempre que eu te vejo eu renasço, e é para te ver que eu quero viver mais e ainda”. Isso aos 98 anos.

 

P: Qual a sua relação com morte? Você está preparada para ela? Acha que todos os seres humanos têm certa dificuldade de lidar com ela?

BM: Ninguém deseja morrer. Mas pode querer, e nós deveríamos ser ajudados pelo médico quando consideramos que a nossa hora chegou. Acontece que, por um lado, os médicos são formados para prolongar indefinidamente a vida. Por outro lado, tendem a ser indiferentes ao sofrimento. Consideram que a vida é boa independentemente da dor. A ponto de eles não se oporem à Vigilância Sanitária, que dificulta a prescrição da morfina, o único recurso de que nós dispomos para evitar dores lancinantes. A fim de prescrevê-la, o médico precisa ter um formulário especial – e a maioria das farmácias não vende. Inclusive porque é barata. O meu livro é um romance que sustenta a necessidade de humanizar o fim da vida. Só então nós seremos civilizados. Isso vai acontecer por razões econômicas. Atualmente, um terço dos recursos destinados à saúde são gastos durante os últimos três meses de vida. Ou seja, em vez de vacinar as crianças, cuidar das grávidas, fazer a prevenção de doenças, nós investimos nos cuidados paliativos sem fim. A obsessão terapêutica tem razões narcísicas, ela é uma forma de loucura.. Já no meu romance Consolação eu falava da crueldade do médico que faz ouvidos moucos para o que o doente diz.

 

P: E com o envelhecer?

BM: Não tenho certeza de que vá envelhecer. Como todos, eu estou sujeita à doença e a morte. Por outro lado, estou menos sujeita ao envelhecimento, porque sei mudar e não caio na armadilha do nosso imaginário sobre a evolução do ser humano. A frase “com a minha idade” eu nunca pronuncio, porque ela leva à decadência. Ontem mesmo, eu disse à minha mãe que ela precisava estar no lançamento de A mãe eterna, que ela inspirou. Acrescentei que podia ir embora se ficasse cansada e a resposta foi: “Nem pensar, eu não me canso”. A gente também é o que a gente acredita ser. Enfim, sobre o envelhecimento, há muito o que dizer , mas não aqui.

 

P: Esses medos podem vir a ser considerados patológicos?

BM: Pouco importa serem normais ou patológicos. A fim de viver melhor ,nós temos que lidar com o medo de envelhecer e de morrer. Para lidar com o medo de envelhecer, é fundamental trabalhar com o corpo – ioga, tai thi, além do esporte. Para lidar com o medo da morte, é preciso pensar nela. Os budistas recomendam, inclusive, a observação do cadáver. Os medos estão associados à idéia de que podemos envelhecer ou morrer de repente. Pode acontecer, porém, não é frequente. Quando nós nos ligamos no corpo e no espírito, podemos temos um controle maior sobre o que acontece. Já ouviu falar da arte de não morrer na qual os chineses se exercitam? Um dos recursos é a meditação.

 

P: Como você lida com essa inversão de papéis?

BM: A mae Eterna trata da passagem da filha para a condição de mãe da mãe. Seria mais difícil se eu não tivesse escrito o livro. Mas sempre é difícil. Aproveito todas se situações para aprender algo que eu ainda não sei. Não é à toa que atribuímos uma sabedoria aos velhos.

 

__________

Sobre A mãe eterna (2016)

Texto original (sem edição) de entrevista concedida à Revista da Cultura, Livraria Cultura, São Paulo, edição de maio-junho de 2016.