O Square Jorge Cain
betty milan
Folha de S. Paulo, Colunas e Blogs, 27 de junho 2024
Nos anos setenta e oitenta, Paris era o meu quintal. A qualquer hora do dia eu saia pela cidade À noite, com um anorak preto para não chamar atenção no escuro. Hoje, o pedestre corre o risco de ser atropelado por uma bicicleta. O ciclismo se tornou um meio privilegiado de transporte mas não foi devidamente regulamentado.
Na época, só quem morava na rua era o clochard que precisava da cidade como cenário permanente – inclusive no inverno. Hoje, os moradores de rua são muitos e a desigualdade salta aos olhos. O clochard não era um excluído, ele se excluía voluntariamente.
Tudo mudou. As ruas sinuosas do Marais, onde eu me radiquei, em 1989, eram vazias e eu ia de uma para outra quase sem ver ninguém. Andava por um labirinto onde me perdia para saber do passado. Ora visitar uma mansão do século XVII ora sentar num dos jardins do bairro.
No square Georges–Cain, eu escrevi o primeiro capítulo de O que é amor, um livro que se impôs quando eu concebi o meu filho. Com o menino no ventre o amor se tornou o meu tema.
O square foi criado no começo do século XX encima de um jardim do século XIII. Fica ao lado do museu consagrado à história de Paris, Carnavalet, e dá para a rua Payenne através de uma grade. Serve de depósito do museu. Na volta inteira, nas paredes e nos cantos, há peças arqueológicas que remetem à historia de Paris, como o frontão do palácio do Jardin des Tuileries que, depois de ter sido a residência de vários reis, foi incendiado no século XIX pela comuna.
No centro do square e no meio de um canteiro de flores, há uma estátua de Aristide Maillol, uma jovem nua que segura um cachecol nas costas. O nome da estátua é Île de France, região onde Paris se encontra. Por que esta região é assim representada ? Talvez pelo fato da parisiense – que frequentemente usa um cachecol – também simbolizar a França.