O que as mulheres querem
Revista Veja, 14/10/2009
O que significa fazer um consultório sentimental? Mais de uma vez eu me fiz essa pergunta embora tenha certeza da necessidade deste espaço pelo número de e-mails endereçados a ele. Recentemente, uma leitora me escreveu dando uma boa resposta para a questão. Diz que sempre lê a coluna porque se vale das histórias das pessoas com problemas diferentes dos seus e das minhas considerações para resolver as dificuldades da própria vida, «os percalços».
O consultório tem hoje uma das funções que a literatura tinha no passado e ainda tem em alguns países, como França ou Inglaterra, onde a leitura continua a imperar. Porque a literatura instiga a ter curiosidade pelo outro e se debruçar sobre a sua história. Essa experiência foi decisiva para que a sociedade ocidental se constituísse como a sociedade dos direitos do homem pois, para reivindicar os seus direitos, foi preciso que o homem tivesse a consciência de ser um indivíduo, uma consciência nova propiciada pelo romance.
Os ensinamentos da literatura são infindáveis e tem tudo a ver com o consultório sentimental. A título de exemplo, focalizo Os contos de Canterbury, livro que deu origem ao filme inesquecível de Pasolini. Num dos contos, Geoffrey Chaucer, o autor, não só coloca uma das principais questões de Freud como dá a ela uma resposta da maior atualidade, o que é surpreendente tendo em vista que a obra foi escrita no século XIV.
Chaucer conta a história de um rapaz que violou uma jovem, foi condenado à morte e escapou à pena graças à rainha, que lhe concedeu um ano para se salvar ou morrer respondendo à questão: “- O que é que as mulheres mais querem?”. O rapaz saiu pelo mundo fazendo a pergunta a todas as mulheres sem encontrar duas que lhe dissessem a mesma coisa. Até se deparar com uma, toda enrrugada e encurvada, que parecia ter mais de cem anos e deu a ele uma resposta convincente: “- O que as mulheres mais desejam é a liberdade. Querem ser livres para fazer o que bem entenderem”. Quando o rapaz disse isso para a rainha, o silêncio tomou conta da corte. Nenhuma das mulheres – solteiras, casadas ou viúvas – discordou da resposta e a pena de morte foi definitivamente suspensa.
O conto acima é o da esposa de Bath e ele é tão eterno quanto moderno pois encerra uma verdade que não é datada sobre o desejo feminino, desejo indissociável da liberdade como o masculino, motivo pelo qual só há entendimento verdadeiro entre os dois sexos quando os dois apostam na liberdade. Quando o fato de um ser livre é decisivo para o outro. Neste caso, existe uma afinidade sentimental verdadeira. « –Vai em frente, faz o que você deseja», é o que um diz para o outro. « –Vai sem medo, faz» e o caminho pode ser trilhado.