O papel da escola no combate à corrupção
Revista Veja, 29/10/2008
O ensino no Brasil é sabidamente ruim, para não dizer péssimo. Comparação recente mostra que os melhores alunos brasileiros ficam nas últimas colocações internacionais. Uma educação que não permite atingir boa colocação em disputas internacionais é arcaica, porque inviabiliza a inserção no mundo atual, altamente competitivo e globalizado. Isso obviamente significa que é preciso aprimorar a formação de professores e alunos.
Mas a reflexão sobre a educação nacional precisa levar em conta que o Brasil está entre os países mais corruptos. Noutras palavras, tanto precisamos dar ênfase ao ensino competente das matérias quanto à formação de cidadãos capazes de respeitar a lei. Se a educação não focalizar o vício nacional da corrupção, possibilitando superá-lo, não estará cumprindo o seu papel. Porque não estará se empenhando em formar brasileiros contrários ao crime e à violência.
O sucesso da vida pessoal depende da vida profissional, porém também do país. Como este, por sua vez, depende do cidadão, num país em que a lei é tradicionalmente desrespeitada, é fundamental ensinar o respeito à lei e à autoridade da mesma. Porque só a lei desautoriza o autoritarismo, fazendo quem tem poder não abusar dele. Só ela torna a punição legítima, permitindo evitar a justiça que o homem faz com as próprias mãos.
A escola portanto deve se ocupar da formação do cidadão, mas a educação cívica brasileira não pode ter como modelo a educação de países cujos problemas não são os nossos. Não basta ensinar aqui os fundamentos da República, temos que levar em conta a nossa formação histórica, ensinando, por exemplo, a diferenciar o poder, que é caprichoso — não tem e não aceita limite — da autoridade, que não se concebe sem o limite. Ou mesmo ensinando as crianças a diferenciarem a amizade da cumplicidade — que sustenta a corrupção —, discernirem entre o amigo — que é de paz e tem pelo amigo um amor independente do interesse — e o cúmplice — que só se liga por interesse.
A escola precisa educar transmitindo valores. Isso é certo, porém não significa que a atividade docente deva ser politicamente engajada. Deve antes se reger pelo princípio da neutralidade política.
Fazer das aulas um lugar de doutrinação é um equívoco, como diz a filósofa Hannah Arendt. Porque a doutrinação é contrária ao desenvolvimento do espírito crítico, que a boa educação requer.