O escritor e o editor
Betty Milan
Este texto, do livro Isso é o país, recebeu o título
“Um escritor que não é editado para ser vendido”,
na Folha de S. Paulo de 11/06/2001
Você quer ser escritor? Não vou dizer a você que pense duas vezes. Porque sei que, se você for um escritor, não terá como não escrever. Você a tudo prefere sondar as palavras, perder-se neste mar. É até capaz de inventar algum exílio literário para se aventurar sem ter que dar satisfação a ninguém. Nasceu destinado e ao destino não há como escapar.
Um bom número de editores brasileiros sabe disso e se vale desse conhecimento para pagar mal os conterrâneos quando adquirem sua obra e para não investir na difusão quando a publicam. Eu aqui me refiro aos autores que vivem para a literatura e ainda não estão mortos ou, como diria Hilda Hilst, “suficientemente enrugados para não despertar inveja”.
Mas por que então os editores os editam? Para colocar o nome do autor no catálogo. Para ser vistos como pessoas que apostam no talento e na qualidade literária, além de investir no Brasil. Pessoas que não podem ser acusadas de falta de patriotismo.
Noutras palavras, servem-se do texto, que é o único tesouro do escritor, para resguardar a própria imagem. Defendem-se das possíveis acusações, exibindo no catálogo títulos de escritores nacionais e se locupletam vendendo os estrangeiros, nos quais eles apostam por terem adquirido os direitos a peso de ouro.
Tive a prova do descaso pelos autores brasileiros nas oito capitais em que lancei O clarão: Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre. Durante 40 dias, só vi e ouvi o Brasil do livro. Para conhecê-lo, fui ter com os distribuidores, visitei trinta livrarias e falei com mais de sessenta livreiros. Atravessei os bastidores do livro, como há duas décadas os do Carnaval.
Em quase todas as livrarias, as pilhas de livros são raramente de autores brasileiros. A maioria dos folhetos e banners publicitários dizem respeito aos estrangeiros, e os livreiros estão sempre mais bem informados sobre o livro originário do exterior, que o editor introduz cuidadosamente no mercado, cercando-o de diferentes recursos publicitários e de recomendações especiais para os distribuidores. Porque sabem que o futuro do livro depende da forma como é introduzido no mercado, da distribuição e da publicidade.
O périplo me levou a uma conclusão triste: o escritor brasileiro não é editado para ser vendido. Porque raramente há indicação de que a sua obra está na livraria e porque o livreiro em geral não sabe se ela aí está ou não — ao contrário do que se passa numa livraria da França, por exemplo. Ora, sem a venda, não há difusão da obra, que o editor pode simplesmente enterrar.
Um verdadeiro círculo vicioso. O editor não investe no autor brasileiro porque ele não vende e este não vende porque aquele não investe. Por melhor que um livro seja, não há a menor possibilidade de vendê-lo hoje se não houver empenho nisso. A quantidade de títulos é tão grande que a novidade está destinada a passar despercebida.
O editor que simplesmente imprime o livro e o põe no mercado (“põe”, para não dizer “joga”) não está cumprindo o seu papel, falha que ele às vezes procura compensar obrigando o autor a trabalhar o livro como um condenado. Investe pouco e faz o outro dar muito de si. Porque o tempo de um vale ouro e o do outro, nada. Uma história que remete a Casa-grande & senzala.