A Mãe Eterna II

O drama do envelhecimento dos pais

 

P:: Por que um livro sobre sua mãe? É uma forma de lidar com o envelhecer, com a proximidade sempre iminente da perda?

BM: Minha mãe foi uma fada na minha vida. Me deu inteira liberdade de viver como eu precisava, embora eu tivesse idéias bastante contrárias às dela. Conto isso em Carta ao filho, lançado há dois anos. Pertenço à geração que fez a revolução sexual e, inclusive, tive quer ir embora para a França, onde a minha liberdade não incomodava a família. Minha mãe chorou desesperadamente no dia em que eu pus o pé no avião para fazer análise com o Lacan, mas, depois, bancou o meu sonho. Podia a casa cair, mas, sempre que eu telefonava, ela me dizia que estava tudo bem para que eu não me preocupasse. Ter sido filha dela foi uma incrível felicidade e, quando eu me dei conta de que ela ia indo embora, porque já não tinha o mesmo interesse no que eu estava vivendo, eu tive que escrever o livro para não me desesperar e para assumir o papel de mãe da mãe. Foi muito difícil, porque ela não queria abrir mão da independência. Só hoje, aos 98 anos, e depois da queda em que ela fraturou o braço e teve que passar por uma anestesia geral, ela pede ajuda. Suportar o envelhecimento é o maior desafio, pois, queiramos ou não, nós nos espelhamos nos nossos ancestrais, e a decadência nos ameaça de morte.

 

P: Em determinado momento, você diz no livro que gostaria de ter sua mãe de volta, aquela mulher forte que estava lá para te ouvir, para ser tsua mãe ,enfim. Esse é um sentimento muito recorrente – acredito eu – entre as pessoas que vivenciam o envelhecimento dos pais. Mas ninguém abre muito isso. Nossa sociedade parece evitar esse tipo de conversa, de abertura para expor essa fase da vida e toda a carga de sentimentos que vem junto. Como você enxerga isso? Por que não falamos sobre esse assunto tão inerente à vida?

BM: As pessoas também negam a realidade do envelhecimento porque ela é dura demais . Nós nos sentimos escudados pelo ancestral, e a partida dele – seja porque ele envelhece,u seja porque ele vai embora –, nos deixa desprotegidos. Nós imaginamos que a censura nos protege, mas a nossa única verdadeira proteção é a aceitação da realidade. Quem não se prepara para a morte sofre mais, e eu acho que falar dela é uma forma de evitar o sofrimento. Foi por isso que eu escrevi o livro.

 

P: É perceptivel, na sua escrita, que cada pessoa lida diferentemente com o envelhecer – tem um trecho que você fala com seu irmão e ele considera suas preocupações exageradas… Isso de fato acontece com as pessoas? Por quê?

BM: A mãe eterna é um livro inspirado na realidade, mas é um romance. Assim sendo, inventei um irmão para focalizar a negação da realidade e a impossibilidade de se aproximar do ancestral quando ele envelhece. Como eu sou muito ligada à minha mãe e como herdei dela a paixão pelo amor, tive que encontrar uma forma de lidar com o problema. Aprendi muita coisa. Quem ousa escutar o idoso se humaniza e pode se ocupar dele de forma humana, inclusive mentindo se for necessário para não ser cruel. Antes de escrever o livro, eu estava às voltas com a dificuldade de cuidar da minha mãe e falei sobre isso com um neurologista amigo nosso, um colega meu da faculdade. O amigo me disse que o velho não é um problema administrativo, e sim um problema humano.Uma frase simples, que me ajudou a viver e a escrever . Pode ajudar todo mundo. Para cuidar do idoso, é preciso observar, escutar e se tornar criativo. Sobretudo porque ele não abre mão da independência e, por ter decaído – pouco enxerga, pouco escuta, anda com dificuldade e se torna uma ameaça para si mesmo. Não vou entrar em detalhes, porque isso está no romance.

 

P: Qual o impacto que escrever sobre esse tema teve na sua vida?

BM: Refleti muito sobre a questão da longevidade e, no livro, eu comparo a velhice extrema à doença terminal. Isso me obrigou a questionar a conduta dos médicos que tendem a prolongar indefinidamente a vida, quando ela só vale a pena em determinadas condições. Ousei dizer com clareza que as pessoas devem ser ajudadas a morrer quando desejam isso. Sou contra a obsessão terapêutica e sou pelo suicídio assistido, que é uma forma de humanizar o nosso fim. O que interessa é não sofrer. O médico não pode tentar vencer a morte; a função dele é cuidar da vida e ponto. Agora, minha mãe tem 98 anos e não quer morrer, embora ela me pergunte sempre quando vai embora. Descobri com o livro que desejar morrer é uma coisa e querer morrer é outra. Acho que ninguém deseja, mas pode querer por diferentes razões.

 

P: Por fim, o que envelhecer representa para você?

BM: Sou resistente e, segundo dizem, pareço bem mais jovem do que sou. Isso também tem a ver com um esforço contínuo para ficar bem, porque a dor física me espreita. Sou obrigada a fazer bastante esporte. Por outro lado, como relativamente pouco, quase não bebo e durmo bem. Ainda não sei o que envelhecer significa verdadeiramente. Só sei que não quero viver quando perder a independência e não puder mais escrever. Viver por viver não me interessa. Temos que aprender a aceitar a morte e ensinar isso aos nossos queridos. O difícil é a separação e a perda, que também são temas do meu livro.

 

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Sobre A mãe eterna (2016)

Texto original (sem edição) de entrevista concedida a Ana Holanda, editora da revista Vida Simples, março de 2016.