O câncer e riso de Hebe

O câncer e riso de Hebe

Revista Veja, 01/12/2010

O melhor depoimento de uma pessoa que teve a doença do século talvez seja o de Hebe Camargo, cuja frase «o câncer não é um monstro» é memorável. O talento de comunicadora fez com que ela acertasse na mosca. No nosso imaginário, o câncer ainda é um monstro e o primeiro passo para a cura é afastar esta fantasia, datada dos tempos em que não se tratava de uma doença e sim de um mal que corroía, atacava os órgãos, o corpo inteiro, um castigo do céu!

Hebe concedeu entrevista cinco semanas depois da quimioterapia e deu a lição que justifica o seu prestígio. Contou que perdeu a fome e emagreceu oito quilos. Mostrou, no entanto, um grande otimismo, não dramatizando a quimioterapia e insistindo na possibilidade de cura. Soube se separar da doença para não se deixar vencer por esta. Disse na entrevista: «A princípio eu teria que fazer seis sessões. Os médicos concluiram que cinco bastariam. Se dissessem que devia voltar à quimio, não seria um drama. Tem de fazer mais? Vamos lá, bola para a frente» E, a propósito da queda de cabelo: « Perder cabelo não é nada. Cabelo cresce».

O tratamento também não a impediu de fazer o seu programa, do qual ela, aliás, se valeu para «absorver a vibração positiva da plateia». Não negou que o problema fosse sério, porém disse que não ia «ficar se preocupando com isso». Sobretudo não perdeu o humor, que é decisivo para a recuperação: «Esse negócio de câncer vai me fazer dançar a Rebolation». Com a palavra «Rebolation», evocou os seus grandes momentos e ensinou a rir de uma doença que apavora. Hebe gosta do riso, e, por isso, se destaca nos meios de comunicação. No gosto do riso existe generosidade e inocência, como diz Françoise Sagan.

Se, por um lado, o prognóstico do câncer depende do exame anatomopatológico, por outro ele depende do perfil do doente, da sua capacidade de cuidar de si, fazendo o tratamento prescrito pelo médico e se valendo de todos os recursos existentes: alimentação anticancerígena, acupunctura para estimular o sistema imunológico, psicanálise para desdramatizar a doença.

Apesar do índice de cura, a palavra câncer ainda enlouquece, e, por isso, o papel do psicanalista no tratamento pode ser decisivo. Quem é escutado quando recebe o dignóstico, quando sai da operação (tenha esta sido mutilante ou não), quando vai para a radio ou a quimioterapia, tem mais chances de se recuperar. Permitindo a verbalização da fantasia, a análise ajuda a ficar com os pés no chão e lidar com os fatos de forma mais adequada.

Verdade que o câncer ainda pode matar, mas também pode ensinar a viver melhor pois ensina a enfrentar a dificuldade. A cura implica o uso da inteligência e a paciência. Inteligência para redirecionar a vida. Paciência para suportar as modificações que se impõem durante o tratamento e depois.