Não há vida sem amor

Não há vida sem amor

Revista Veja, 10/02/2010

O amor foi um dos grandes temas de Platão, que discorreu sobre ele, distinguindo o amor físico, “superficial”, aquele em que o parceiro pouco importa pois só a aventura interessa, do amor celeste, em que o amante ama o amado pela sua alma e o sexo entre os amantes é o mais forte e inteligente. Este amor celeste implica regras de conduta para evitar o comportamento intempestivo dos que se entregam ao amor superficial, também dito vulgar. Platão diz que o amante e o amado devem se cuidar para se tornarem bons e sábios, virtuosos.

Na Idade Média, com o surgimento dos trovadores, o amor se tornou um tema privilegiado nas conversas da corte. Os nobres se perguntavam, por exemplo, se é mais infeliz a dama que perde o seu amante porque ele morreu ou a outra que perde porque ele a traiu; se uma dama traída pelo amante age ou não de forma desleal, entregando-se a um segundo mais fiel; se um cavaleiro que perde toda esperança de ver a sua dama, controlada por um marido ciumento, pode ou não se voltar para outra. Os diferentes casos possíveis eram  repertoriados e discutidos.

O amor e as suas variantes, o sucesso e o insucesso no amor, a fidelidade e a infidelidade, são temas eternos. O que muda é a forma de lidar com o sentimento amoroso. Nós hoje não nos orientamos por regras prefixadas e também não inventariamos os casos possíveis por acreditarmos que cada caso é único. Com a descoberta do inconsciente, a ideia da particularidade de cada um se impôs. Sabemos que ninguém vive o amor da mesma maneira.

Também sabemos que o amor se apresenta como um enigma e nunca se deixa decifrar inteiramente, ele é indissociável do não saber. Assim, no começo dos anos oitenta, quando um editor me pediu que escrevesse um livro sobre o tema eu aceitei a proposta, porém escrevi que não  há como definir o sentimento amoroso. Usei, como epígrafe do livro, uma frase de Fernando Pessoa: “ Anjo… de que matéria é feita a tua matéria alada?”

O caráter enigmático do amor é uma das razões pelas quais nós o amamos e podemos não estranhar a frase “se você já não me ama prefiro morrer”. O amor nos faz ver o mundo com olhos surpreendidos de criança, oferece a surpresa e nos transporta. Amar é se surpreender e se surpreender é viver. Quem se dá conta disso entende a frase “navegar é preciso/ viver não”, que Fernando Pessoa não usou como epígrafe da sua obra poética por acaso. Foi o lema da liga hanseática que, na Idade Média, reunia 150 cidades e hoje diz respeito aos nórdicos, aos portugueses e aos outros todos.