Meu Brasil brasileiro

Meu Brasil brasileiro

 

Duda Guennes (1)

A escritora e psicanalista Betty Milan, que já nos havia dado um excelente trabalho sobre o Carnaval, volta, desta vez, a se debruçar sobre um dos temas que mais apaixonam o povo brasileiro, o futebol. No livro recentemente lançado, Brasil, o país da bola, Betty visita os principais mitos do futebol, de Charles Miller a Pelé, de Nelson Rodrigues a Carlos Drummond de Andrade, passando por velhos sambas, Carnaval e, principalmente, a paixão desenfreada dos torcedores.

“Que ópio é esse que grassa nas peladas, nos clubes e nos estádios, propiciando vigor e alegria? Que assim potencializa a ação? perguntaria interessado o toxicômano mais entendido” – comenta a escritora.

O futebol, como procura demonstrar Betty Milan, serve de pano de fundo para tudo. Até para o racismo. A tragédia de 1950 no Maracanã, quando perdemos a Copa para o Uruguai, teve também esta explicação: “O azar demasiado explicava-lhes a derrota. Mas a desgraça foi atribuída sobretudo à deficiência de uma raça de índios e pretos, mestiça. Dois jogadores da seleção, ambos negros, tornaram-se bodes expiatórios. (…) O racismo servia para minorar a frustração, porém não houve como superá-la.”

Sobre o livro de Betty Milan, escreveu Edilberto Coutinho: “Boa de catimba, em ousados jogos-de-cintura linguístico-psicanalíticos, a psicanalista Betty Milan dá um olé nos preconceitos que fazem alguns intelectuais mais obtusa e convencionalmente formais desprezarem o futebol – apesar de toda a beleza do espetáculo e de sua forte carga emocional, permanente fonte de drama… ”

A autora recolheu uma série de depoimentos de jogadores para o enriquecimento de seu livro. Eis alguns:

O goleiro precisa tratar a bola como se ela fosse uma mulher. Você abraça com carinho, dispensa uma atenção especial. Noventa minutos à espera dela: sim, o goleiro afaga a menina no peito enquanto os outros a maltratam chutando.
Gilmar Santos Neves, goleiro bicampeão mundial em 58 e 62.

(Aliás, esta declaração de Gilmar poderia ser escrita pelo jornalista João Saldanha: “O goleiro deve dormir abraçado com a bola. Se for casado, com as duas”.)

O futebol é espetáculo. Depende muito de público. Se você não traz a emoção para o seu lado, você não produz o suficiente. Aprendi a interpretar a reação do público em relação ao que está acontecendo no campo, ou no palco, e passei a usá-la como estímulo. O jogador de futebol é um artista.
Sócrates Brasileiro de Oliveira, capitão da Seleção Canarinho em 82 e 86.

O Brasil se tornou um celeiro de jogadores. Os grandes estão indo para a Itália, onde os campeonatos têm mais público, a motivação é maior, se joga somente uma vez por semana.
Zico, da Seleção em 78, 82 e 86.

_______________
1. Duda Guennes, jornalista brasileiro radicado em Portugal desde 1974, foi colunista do jornal A Bola, de Lisboa, durante 25 anos, passando depois a correspondente do Jornal do Commercio, de Recife. Publicado no jornal A Bola, de Lisboa, em 12/05/1990.