Metrô Paraíso (1995)
P: O que te levou a fazer o Mural?
BM: A palavra é, desde sempre, o meu instrumento de trabalho, e eu queria intervir, através dela, e somente dela, no espaço da cidade. Achei que o metrô era propício, mas precisei de um bom tempo para descobrir exatamente o que fazer. Não se tratava de transpor um texto já escrito para exposição no metrô, e sim de conceber algo novo em função daquele espaço. Quem me mostrou isso foi a Denise, minha irmã, que já havia feito uma escultura para a Estação Clínicas do metrô e me introduziu no conceito de arte pública – uma arte que deve levar em conta as necessidades do lugar em que se inscreve e do público ao qual se destina. Depois de ler os livros que a Denise me emprestou e de errar bastante pelas estações do metrô, andando de uma para outra, concebi um projeto para a Estação Paraíso e o apresentei à direção de marketing do Metrô. O projeto foi submetido à comissão de arte e após algum tempo tive uma resposta positiva.
A escolha da Estação Paraíso
P: Por que a Estação Paraíso?
BM: Me liguei na palavra, pelo que ela tem a ver com a história do Brasil e com a história de São Paulo, especificamente. A história do Brasil é indissociável da busca do Paraíso, que, além de fazer o português largar de Portugal, provocou grandes migrações dos índios brasileiros. A história de São Paulo não pode ser concebida sem a imigração, que também resulta da mesma busca. O bairro denominado Paraíso, onde fica a estação do mesmo nome, é um bairro de imigrantes, sobretudo italianos e sírio-libaneses. Foi aí que os meus ancestrais primeiro se radicaram. De certa forma, eu não escolhi a estação, fui escolhida por ela.
O prosopoema Mural
P: O que é o Mural?
BM: Minha prosa é poética e o Mural é um prosopoema. Procurei mostrar o que o mito do Paraíso significa para nós brasileiros e, através de uma questão, apontar a universalidade de um mito que se renovou através dos tempos. Tive que resolver isso em poucas linhas, o que obviamente implicou escrever e reescrever o prosopoema um sem-número de vezes. O texto precisava ser curto para poder ser digerido em poucos segundos. Um dos desafios era esse, e eu o aceitei porque dizer as coisas rapidamente também faz parte da cultura do Novo Mundo. O outro desafio era o texto ser acessível sem ser banal. A arte pública se destina a uma grande audiência, que tende a não aceitar o novo e limita as escolhas do artista, cuja tarefa paradoxalmente é de fazer o novo passar. Você deve aceitar a limitação imposta pela audiência para abrir uma brecha nova.
A proposta
P: Qual a proposta da obra?
BM: Induzir as pessoas que entram no metrô, só para sair dele, a refletir sobre o Brasil, São Paulo e a condição humana numa cidade que não pode parar. A afirmação implícita no Mural é que São Paulo deve se debruçar sobre si mesma, que ela deve se olhar. Será ótimo se, através do Mural, o espectador for levado a pensar na sua condição de brasileiro e de homem. A pergunta Quimera a que não se pode renunciar o paraíso acaso será? poderia levar a uma outra: Quem sou eu que não posso renunciar à ideia do paraíso? Mas basta o usuário se dizer que a estação não se chama Paraíso por acaso, para que eu atinja a minha meta. A novidade do Mural está mais no seu conteúdo do que no uso da palavra poética, num lugar onde a palavra até então só tinha função utilitária. Vários artistas americanos são mestres nessa substituição, e eu me inscrevo na trilha deles.
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“Betty Milan cria mural no metrô Paraíso”, Folha de S. Paulo, 24/01/1995