I. BLONDIAUX *
Leitor, resista se puder à sedução — carnal, naturalmente — deste pequeno livro cheio de poesia! É à sua inteligência que ele se destina, como deixa claro o posfácio, brilhante, de Michèle Sarde.
O Papagaio e o Doutor é um romance pós-moderno em que a narrativa da cura psicanalítica, conduzida pela heroína, parece um artifício retórico visando “nos lembrar, por um lado, que Seriema é uma contemporânea, que ela é um produto da sociedade jet set ; por outro, que o tema principal do romance, também moderno e contemporâneo, é o drama da imigração, das populações desterradas, da aculturação e da perda da identidade — conseqüência mais direta e mais perturbadora de todas”. Isso expresso no registro da ironia, o único na Literatura que permite exprimir “o trabalho de demitificação de si mesmo e de demitificação do outro”, como diz Sarde.
Não é porque ela é um produto cultural que a personagem-narradora deixa de ser uma heroína de romance, prima de Sherazade e Dom Quixote, uma contista que encanta e move os moinhos da alma. Composto por curtos capítulos dotados de um título que os resume, O Papagaio e o Doutor não nega o seu parentesco com as obras de Cervantes e Rabelais.
Romance tropical que, paradoxalmente, poderia ser comparado aos de Robert Walser — autor de narrativas suficientemente anódinas para suscitar a admiração de Kafka e de Walter Benjamin —, ele possibilita a viagem mágica que nos leva, com mais segurança do que o flautista de Hameln, para fora dos caminhos do saber, em direção aos reinos mais soberanos do ser e do sentir.
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* “O Papagaio e o Doutor”, artigo publicado no Le Journal de Nervure, em maio de 1997, por I. Blondiaux, crítico literário francês.