O que de fato conta é a conquista da mais longa juventude, e não a promessa da imortalidade, a renovação indefinida das nossas células. Como se não bastasse prolongar inutilmente a vida, os biólogos agora querem fabricar a vida, projetar cérebros e controlar os pensamentos alheios.
resumo
Heresia – tudo, menos ser amortal é um romance que trata da morte da mãe da protagonista e do prolongamento de sua vida em decorrência da proibição cultural e legal de buscar a morte assistida. O livro começa num velório com a mãe da narradora no caixão. Para suportar o velório, a narradora se vale de um caderno e rememora o ocorrido no fim da vida da mãe, mas também a sua história de amor.
A situação ficou particularmente difícil quando a mãe teve uma fratura e quis ser operada apesar dos riscos da operação – o risco de morrer ou de sofrer as consequências da anestesia como a de perder o juízo. A mãe deixou os médicos prolongarem a sua vida até não reconhecer os seus e perder a consciência de si mesma. A opção da mãe obrigou a filha a ser a mãe da mãe.
A narradora se sente injustiçada, mas ela não é uma justiceira. Aceita a realidade e escreve para se distanciar da mesma. Apesar das reflexões graves, necessárias e atualíssimas, Heresia é um romance que faz rir.
histórico
O livro foi lançado no dia 05 de abril, em uma Live com participação do crítico literário Manuel da Costa Pinto e do editor-executivo da Record, Rodrigo Lacerda.
Na conversa, Betty Milan lembrou o recente pedido de suicídio assistido do ator Alain Delon e explicou que o amortal do subtítulo de seu livro é aquele que só morre por acidente, diferentemente do imortal.
O lançamento foi filmado e se encontra no Youtube (vídeo). A imprensa acompanhou com interesse o livro, publicando matérias publicada no portal G1 e no jornal Valor (artigo).
opinião
Um livro forte, corajoso, oportuno e muito surpreendente pela composição. Roberto Schwarz
área de interesse
Literatura e psicanálise.
fortuna crítica
“Heresia: tudo, menos ser amortal” é o melhor livro que li sobre o inevitável fim, prescrito para todos nós em todos os sentidos da palavra: foi prescrito como o é uma receita; está prescrito, por isso vivemos como se tivéssemos obtido uma habeas corpus diante do fim, que está prescrito, isto é, previsto que virá, como certeira profecia que se realiza. Parabéns, é um livro de alta qualidade, você melhorou a concisão, tornou-se mais simples e mais pura, como queria Cruz e Souza, sem perder as complexas sutilezas do tema. Deonísio da Silva
“Vou atribuir o que eu escrevo a outra narradora”, diz a protagonista no início de Heresia. A frase recapitula um pressuposto paradoxal da literatura: afastar-se do vivido para melhor contemplá-lo e delegar a uma identidade vicária a tarefa de reatar a ficção ao impulso de conhecimento que a deflagrou.
Essa tensão entre o real e o ficcional se torna ainda mais aguda quando aquilo que é representado toca o nervo exposto de dilemas éticos e emocionais – como neste romance de Betty Milan, cuja personagem lida com sentimentos ambíguos ante a decrepitude da mãe centenária.
A heresia do título, portanto, se refere a uma questão essencialmente contemporânea: até que ponto é legítimo o prolongamento da vida pela ciência, a perpetuação de uma existência orgânica na qual a memória e a própria subjetividade se extinguem?
O romance traz uma dimensão ensaística e metaliterária que sempre esteve presente na obra de Betty Milan, mas que se intensificou desde Consolação. E se A mãe eterna tratou do tema da perda em chave autoficcional, Heresia o potencializa com uma narrativa dentro da narrativa, na forma de um caderno em que a protagonista elabora sua cerimônia de adeus e descreve (ou imagina) as histórias vividas pela mãe antes do exílio no “palácio imaginário” da amortalidade. Manuel da Costa Pinto (orelha livro)