Françoise Giroud: Os Homens e as Mulheres

Françoise Giroud: Os Homens e as Mulheres

Betty Milan
Este texto faz parte do livro A força da palavra.
Publicado como “Papo de mulher para homem”.
Folha de S. Paulo, 11/07/1993

Grande dama do jornalismo francês, Françoise Giroud nasceu France Gourdji em Lausanne em 1916. Começou sua carreira como roteirista de cinema, na função de assistente do diretor Jean Renoir (1894-1979) para A grande ilusão, de 1937. Durante a guerra, fez parte da Resistência Francesa e foi presa pela Gestapo. De 1945 a 1953, dirigiu a revista Elle, levando em paralelo a atividade de roteirista, que  nunca abandonou. Depois, foi cofundadora da revista L’Express, em que trabalhou durante vinte anos, participando de todos os combates políticos – particularmente os da guerra da Argélia. Foi secretária de Estado da Condição Feminina de 1974 a 1976 e secretária de Estado da Cultura de 1976 a 1977. Em 1989, recebeu o Prêmio da Academia Internacional Médicis de Florença pelo conjunto da sua obra. Entre seus livros publicados no Brasil estão os ensaios Profissão jornalista, Os homens e as mulheres e as biografias Cosima, a sublime; Jenny Marx, a mulher do diabo e Alma Mahler. Faleceu em janeiro de 2003.

Os homens e as mulheres é o nome do best seller lançado por Françoise Giroud e Bernard-Henri Lévy.

São dez conversas de verão sobre o amor e o desamor, à sombra de uma figueira, entre uma grande dama da sociedade francesa, de 76 anos, e o conhecidíssimo filósofo, de 44 anos. Dez capítulos em que cada um fala do tema abordado, ora evocando a própria experiência ora citando Stendhal, Proust ou Baudelaire, em que tanto vale coincidir quanto divergir, porque o que interessa sobretudo é poder dizer. Assim, Françoise Giroud se autoriza a comentar que Bernard-Henry Lévy é muito mais jovem do que ela, mas faz pensar num seu tio-avô, que não deixava mulher alguma da família trabalhar.

Trata-se de um exercício eminentemente francês, que possibilita discordar sem romper e, por isso mesmo, pode servir de exemplo para os dois sexos.

A seguir, a entrevista concedida por Françoise Giroud, no seu suntuoso apartamento parisiense, pouco depois do lançamento do livro.

Betty Milan: Quem teve a ideia deste livro?
Françoise Giroud: A ideia foi do editor, que é um amigo pessoal do Bernard-Henri Lévy.

BM: Por que a senhora e por que o filósofo para falar dos homens e das mulheres?
GIROUD: O editor decerto procurava duas pessoas bem conhecidas, com espaço garantido nos meios de comunicação de massa.

BM: O livro é feito da transcrição de um diálogo. Por que essa forma, e não uma troca de cartas, por exemplo?
GIROUD: Desde o início pensamos numa conversa, como, aliás, no século XVIII. A forma epistolar nem nos passou pela cabeça. Primeiro, nos reunimos para refletir sobre os capítulos que o livro teria e o estilo que deveria ser adotado. Achamos que seria importante falar da liberação das mulheres, da feiura como injustiça fundamental, do sentimento amoroso, do ciúme, do amor como paraíso e como inferno, do erotismo, da fidelidade, da diferença entre os sexos, da sedução e dos seus jogos, bem como do casal. Depois de estabelecidos os capítulos, começamos a nos encontrar para conversar sobre os temas. Os encontros, que tanto podiam acontecer de manhã como à tarde, duravam aproximadamente quatro horas.

BM: Para Bernard-Henri Lévy, a feminilidade é indissociável do masoquismo. Já a senhora recusa essa ideia. Poderia dizer o porquê?
GIROUD: O masoquismo feminino é um traço adquirido, é o resultado de uma longa educação, em particular da educação cristã, que ensinou as mulheres a se resignar, a aceitar tudo. Mas elas estão deixando de ser masoquistas. A prova é a dificuldade que existe hoje de recrutar enfermeiras.

BM: Verdade que sempre foram as mulheres que se ocuparam da dor. Cabe ensinar isso aos homens. Outro ponto de discordância entre a senhora e o seu interlocutor diz respeito ao combate feminista. Para ele, esse combate mudou os costumes, mas não alterou em nada a linguagem das mulheres. O seu ponto de vista é diverso. Gostaria que falasse sobre isso.
GIROUD: Acho que as mulheres mudaram muito nesses últimos vinte anos e, na origem dessa mudança, está a pílula. É preciso ser cego para não perceber o que a pílula mudou na história da humanidade. De repente, a maior decisão que se pode tomar na vida, que é a de ter ou não um filho, está na mão das mulheres. Isso mudou a linguagem delas, bem como sua maneira de ser. Por outro lado, as mulheres estão cada vez mais decididas a ser felizes. Perceberam que a felicidade é acessível, pelo menos no plano físico.

BM: A senhora diz no livro que até hoje as mulheres, na verdade, pouco falaram de si.
GIROUD: Quase nada disseram da sua sexualidade. Foram os homens que falaram da sexualidade feminina. Na verdade, ainda não existe uma literatura erótica escrita por mulheres.

BM: A senhora foi ministra da Condição Feminina no governo de Giscard d’Estaing. O que as mulheres teriam a ensinar aos homens quando no poder e o que teriam a aprender com eles?
GIROUD: O comportamento das mulheres no poder é diferente. Elas são mais pragmáticas. Os homens tendem a falar, as mulheres, a fazer. Mas os homens têm uma faculdade de sonho que as mulheres não têm, eles sabem secretar a utopia. A combinação dos dois é que é boa.

BM: O feminismo, que foi muito criticado na última década, voltou a ser um movimento importante nos Estados Unidos. O sucesso de Backlash, o livro de Susan Faludi, é a expressão disso. E o feminismo na França?
GIROUD: O feminismo na França está tranquilo. Não acabou, como se diz, mas é um feminismo contrário ao americano. Para as americanas, o inimigo é o homem. Para as francesas, não. Acham que têm direitos, porém não tomam os homens por adversários. Sabem que têm muito a conquistar, só que não têm a atitude reivindicativa das americanas, que, aliás, conseguiram provocar movimentos masculinos extremamente violentos. Isso é perigoso, provoca divisão na sociedade.

BM: A senhora diz no livro que a França é o país onde existe a melhor relação entre os homens e as mulheres.
GIROUD: É um país onde não existe clube de homens, eles não se reúnem sozinhos, as mulheres vão ao jogo de futebol. Os homens gostam de estar com as mulheres, e as mulheres, com os homens. Ao contrário da Inglaterra, por exemplo. Aliás, diz-se que na Inglaterra nada é feito para as mulheres, nem mesmo os homens. Na França, tudo é feito para as mulheres.

BM: A senhora se diz contrária à coabitação dos cônjuges ou dos amantes. Declarou que a simples ocupação do mesmo banheiro estraga as relações. Se nós tirássemos disso todas as consequências, seria necessário reorganizar a família.
GIROUD: Não é possível fazê-lo por razões materiais. Se a casa não for pequena, se houver espaço, a coisa pode se resolver. Um quarto para cada cônjuge é o ideal. O fato de que não se possa nunca estar sozinho é abominável. É preciso ter a possibilidade de ficar consigo mesmo durante algumas horas.

BM: A senhora diz que o amor não está na moda. Seria bom que estivesse?
GIROUD: Mal não faria. Parece, aliás, que a moda está voltando. Infelizmente, é por causa da Aids.