Evandro Castro Lima

Evandro Castro Lima

Betty Milan
Este texto, do livro Isso é o país,
foi publicado como “A última apoteose de Evandro
Castro Lima”, Folha de S. Paulo 27/02/1985

Morreu, morreu de Carnaval. Vi-o pela última vez na Marquês de Sapucaí, fantasia negra. Vi-o tirar o chapéu e estranhei o fato de que não suportasse o peso dele. Isso foi na terça-feira, no sábado ele faleceu.

Noel Rosa não queria nem choro nem vela, Evandro queria plumas no caixão, deu a vida pela festa de Momo e desejava que o próprio rei o levasse daqui para outra, o enterro fosse cortejo de plumas e paetês.

Em 1959, estreou a primeira fantasia no Municipal do Rio de Janeiro, foi Netuno e fez ver na capa o fundo maravilhoso do mar —as algas, as anêmonas, os peixes e as estrelas tantas. Depois, escravo de ébano, sustentou um candelabro e o corno da abundância, simbolizando a nossa utopia. Tendo sido negro, metamorfoseou-se no Cavaleiro do Cisne; azul, empunhou o escudo e a espada, trouxe para o Brasil uma era que não tivemos. No ano seguinte, rumou para Lisboa, onde fez bordar o manto de Dom Pedro II, manto de folhas de carvalho, só miçangas, requifado. Imperador do Brasil e, posteriormente, da França, pois ousou ser Napoleão, pesquisando no Musée des Invalides a fantasia. Teve impérios e os reinados de Salomão e Dom Sebastião, suas galeras e brasões.

Amou-se nos grandes do Ocidente e do Oriente, oferecendo-nos Tutankamon, que do sarcófago se levantou para o Carnaval de salão. Inspirou-se na cultura antiga, mas ainda no que chamou de epopeia farroupilha e fez-se um gaúcho estilizado.

Imperadores, reis e faraós para vestir o camaleão, papas e califas. O carnavalesco foi Leão I e o califa de Bagdá, penas de garça no turbante, raríssimas. Mensageiro do Eldorado, em 1980, na Império Serrano, majestosamente solar, evocando as visões do paraíso, a travessia do mar e o Descobrimento. Desde 1973, foi ininterruptamente primeiro lugar no Concurso de Fantasias do Rio de Janeiro.

Sempre quis conhecê-lo e, em 1980, o entrevistei. Ouvi-o, então, lamentar a inexistência de um Museu do Carnaval que expusesse as indumentárias. Soube que uma fantasia doada ao Teatro Municipal desapareceu na poeira; outras ele vendeu na Europa. O que resta é patrimônio nacional. Salva-se ou vão entregar às traças, esquecer que Evandro Castro Lima foi um sonho nosso, assumiu e rasgou a fantasia?

Evandro era um médium do Brasil, que ressurgia nas suas várias aparições. Brasileiramente, ele morreu de Carnaval.