É preciso apostar nas mulheres
betty milan
Folha de S. Paulo, Política, Opinião, 08/03/23
No dia 8 de março de 1917, 90 mil operárias russas percorreram as ruas reivindicando melhores condições de trabalho e se manifestando contra as ações do czar Nicolau 2º, o último imperador da Rússia. O evento ficou conhecido como “Pão e Paz” porque as manifestantes também lutavam contra as dificuldades decorrentes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
A luta das mulheres e as suas conquistas não cessou e, em 1975, o Dia Internacional da Mulher foi definitivamente instituído pela ONU, e o dia 8 de março escolhido em homenagem às operárias russas.
No Brasil, duas datas são particularmente relevantes na história da luta das mulheres: 1932, ano em que foi adquirido o direito ao voto —durante o governo de Getúlio Vargas—, e 2006, ano em que foi sancionada a Lei Maria da Penha, que assegura o direito de proteção à mulher sujeita à violência doméstica.
Talvez seja necessário sancionar uma lei para assegurar o direito de proteção às esculturas que são símbolos da mulher e estão sujeitas à violência urbana. Digo isso por ter visto, no dia 12 de fevereiro a imagem da escultura de Brecheret, “Depois do Banho”, jogada por vândalos no chão do largo do Arouche, no centro de são Paulo. Uma imagem tão revoltante quanto a que nós vimos no dia 8 de janeiro.
Poucos dias antes, esta Folha havia publicado texto sobre as obras do escultor. Ocorreu-me que podia ser uma vingança contra um jornal que não apoiou o ex-presidente e os atos golpistas. Mas não é só disso que se trata porque, antes de ser jogada no chão, a escultura foi, durante um bom tempo, o mictório do largo do Arouche, sem que a prefeitura, que é a responsável legal, tomasse providências.
“Depois do Banho” é um símbolo da mulher e da beleza feminina, uma obra tão única como as esculturas de Maillol, expostas entre o Museu do Louvre e o Jardin des Tuileries, em Paris. São dezoito nus que simbolizam a força e a beleza, exibindo a sensualidade, a elegância do gesto e a graça. Homenagem maior não existe.
O dia 8 de março deve servir para evocar a coragem das mulheres na adversidade e para certificá-las de que tanto o espaço privado quanto público é tão delas quanto do outro sexo. Noutras palavras, o igualitarismo é um direito que pode ser conquistado.
No plano pessoal, significa que as mulheres —assim como os homens— devem dispor do seu corpo livremente e se tornarem ou não mães conforme seu desejo. Em 67 países do mundo, a gravidez pode ser interrompida com até 12 semanas da gestação. Ou seja, já existe o direito ao aborto. Segundo a Organização Mundial da Saúde, as taxas de aborto são semelhantes em países onde o procedimento é legal e em países onde não é. Nestes, o aborto é frequentemente praticado de forma danosa por mulheres pobres, com sequelas como perfuração do útero, peritonite e septicemia.
O assunto é controverso por motivos religiosos, morais e políticos. No entanto, a legalização do aborto se impõe em todos os países, não só por ser uma questão de saúde pública, mas porque o desejo é transgressor e o aborto ilegal não vai deixar de ser praticado. Não deixa de ser uma prova da coragem das mulheres que são capazes de sustentar o seu desejo, correndo inclusive graves riscos.
No plano público, o igualitarismo significa a entrada maciça das mulheres na vida profissional. Como, de um modo geral, elas são menos agressivas e mais predispostas à negociação, haverá um maior equilíbrio. Têm mais respeito pela vida —que elas dão. Podemos imaginar um cenário em que a presença das mulheres em cargos de alta responsabilidade levará a uma melhor comunicação entre os povos.
O Dia Internacional da Mulher também existe para celebrar a existência das mães, que tendem a proteger os filhos e desejam um futuro sem guerra e sem a destruição do planeta. Para ser viável, o mundo precisa apostar nas mulheres.