Delegacia antissequestros

Delegacia antissequestros

Betty Milan
Este texto, do livro Isso é o país, foi publicado sob o título
“Educar é ensinar a paz”, Folha de S. Paulo, 31/01/2002

A frase do primeiro Ano Novo do milênio poderia ser a de João Guimarães Rosa: Viver é perigoso. Mas a maneira como o perigo nos ronda no mundo não é a mesma em todos os lugares. Na Europa ou nos Estados Unidos, o sujeito pode ser vítima de um atentado a qualquer momento. Quando entra no metrô em Paris ou Nova York, tem de se certificar de que não há pacote suspeito ou maleta abandonada: é indiretamente convocado pelos alto-falantes a se engajar na luta antiterrorista.

No Brasil, não há terrorismo, mas o risco de ser vítima de um assalto a mão armada é contínuo. Porque o assalto tanto pode ocorrer na rua quanto em casa. E, como a possibilidade de assassinato é grande, o medo é aterrador. Sete mil pessoas foram assassinadas em São Paulo neste ano. O dobro do número de vítimas do 11 de setembro de 2001 no World Trade Center.

Para viver aqui, é preciso ter consciência do risco e estar treinado para resistir. Saber que, a qualquer momento, o ladrão pode entrar em cena e é necessário agir com inteligência para limitar a sua ação. Ou seja, aceitar a perspectiva de ser surpreendido e não se deixar levar pela surpresa.

Por isso, uma nova delegacia prolifera no país, a Delegacia Antissequestros, que difunde o seguinte comunicado:

Não anote telefone residencial no verso do seu cheque, especialmente no posto de gasolina. No caso de assalto, o telefone pode ser usado para ameaça. Sobretudo se você for uma mulher.

Não exiba, no carro, adesivo da sua faculdade, do condomínio onde você reside, da sua academia de ginástica. O extorsionário se valerá desses dados para ameaçá-lo.

Não faça compras por telefone ou pela internet fornecendo o número do cartão de crédito.

No trânsito, mantenha-se a uma distância segura do carro da frente. Para sair – se preciso for – numa só manobra, sem bater. À noite, calcule o tempo e a velocidade para não parar no farol vermelho, porque o risco de morrer em roubo de farol é consideravelmente maior do que num sequestro.

Se você for assaltado, mantenha as mãos no volante e procure se comunicar, indicando claramente o que vai fazer. Se quiser tirar o cinto, por exemplo, informe: “Vou tirar o cinto com esta mão”. Se o assaltante pedir a carteira, diga: “A carteira está no bolso de trás, o senhor me autoriza a pegar?”.

O texto mostra que a preservação da vida implica a obediência às seguintes regras: não dar informação sobre si mesmo — residência, trabalho, banco —, não respeitar as regras do trânsito e não fazer nada sem o acordo do assaltante.

Aconselha, portanto, a nos exercitar na dissimulação, na desobediência civil e na negociação com o ladrão, cuja legitimidade é assim reconhecida. Noutras palavras, ensina a contrariar a nossa formação e a legitimar o crime para salvar a pele. A formação é para os tempos de paz, e o Brasil está em guerra.