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trecho

A morte separa os cônjuges, os amantes, ela não separa. Lembra do primeiro encontro? Quatorze de julho… Ilha São Luís. Você me disse que era turista e eu respondi: “— Não, Laura, você é daqui. Ubi bene, ubi patria. Comigo você está bem. Saímos pela cidade. Mãos dadas e a certeza de que nada podia nos separar. Ainda que nem você e nem eu soubesse por quê. O seu desejo era o meu, embora eu falasse uma língua e você outra. Quando o bateau-mouche passou, você disse: “— Uma centopeia iluminada”. Não entendi, mas soube que precisava aprender a tua língua para te dar a minha. Aprender você de alto a baixo para que a nossa nacionalidade fosse a do nosso amor.


resumo

Brasileira, casada com francês, Laura assiste à agonia e à morte do marido num hospital parisiense. Tenta inutilmente convencer o médico a abreviar o sofrimento e, depois do enterro, toma o avião para São Paulo, a sua cidade natal, com a qual mantém uma relação de amor e ódio, contraditória.

Surpreendentemente, Laura não vai para a casa da família – porque não suporta a ideia de ouvir “meus pêsames” e de ser olhada com pena. Vai direto do aeroporto para o cemitério, onde fala com os vivos e com os mortos, cujas vozes ela ouve. Assim, Mario e Oswald de Andrade, os escritores que, pela sua independência e sua relação com a cultura brasileira, a marcaram. Por fim, fala com o pai, que a incita a sair da concha do luto e a ir escutar os outros, o “povo da rua” – os que nela vivem sem serem vistos nem ouvidos.

Laura segue o conselho e erra pela cidade. Vai descobrir a São Paulo que ninguém conhece e nos revelar o mundo dos seus moradores invisíveis. O périplo só se interrompe por Laura ouvir a voz do marido, que a convence a sair da rua. Alegando, por um lado, que, sendo mãe, ela precisa se cuidar, e, por outro, que “perder não significa não ter” – e ela o tem, desde que não se esqueça do amor.

Antes de ir para casa, Laura assiste no teatro a uma homenagem a Oswald. Ouvindo o Manifesto Antropófago, ela enfim diz não à tristeza e se deixa tomar pela alegria que, segundo o poeta, é a prova dos nove. Ao sair do teatro, encontra a irmã, que soube da sua chegada e a conduz até a mãe, viúva de longa data. A mãe não diz “meus pêsames”, mas sim as palavras de que Laura precisa, consola verdadeiramente, lembrando que o amor é maior do que a morte.


leitura dramática

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histórico

O lançamento deste romance (19/08/2009), na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo, teve participação de Manuel da Costa Pinto e Roberto Pompeu de Toledo, que apresentaram o texto ao público, destacando sua originalidade literária e a presença da metrópole paulistana em suas páginas. No Rio de Janeiro, o lançamento ocorreu na Livraria da Travessa, com leitura do posfácio pela editora Luciana Villas-Boas, da Record, e leitura de trechos do romance por Nathalia Timberg (fotos).

Cinco anos depois, sob a curadoria de Marcelino Freire, Betty Milan se apresentou no teatro do Itaú Cultural, em São Paulo (12/04/2014), no projeto AuTORES EM CENA, encarnando personagens do romance. Entre eles, Mario de Andrade e Oswald. Contracenou com Barbara Riethe, atriz de Vozes, no papel de Laura. O espetáculo contou com a direção de Miguel Prata e a trilha sonora de Fabio Carrilho. (fotos).


opinião

“Um hino à alegria e à vida”
Michèle Sarde, posfácio, julho 2009

Li Consolação de Betty Milan, um livro interessante, bem escrito, que eu julgava que iria para um lado e foi para outro. Como vencer a dor da morte de alguém amado? Nada a ver com autoajuda, ao contrário, o livro me surpreendeu pelo que tem de informação sobre Oswald de Andrade, a Semana de Arte Moderna de 1922, Macunaíma e outros assuntos aparentemente sem ligação com o tema proposto. Só lendo pra entender como a autora conseguiu fazer esse mix emocional/cultural.
Marta Medeiros, Zero Hora, Porto Alegre, 30/08/2009


área de interesse

Literatura, Psicanálise


fortuna crítica

Antígone no país dos tupis
Michèle Sarde

Trabalho de luto
Manuel da Costa Pinto

Veja recomenda Consolação


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