Cinderela
Betty Milan
Este texto foi publicado com mesmo título
na Folha de S. Paulo; 31/07/1981
Assistindo ao casamento de Lady Diana, entendi por que foi que nunca me casei. Tudo teria ficado tão aquém da minha fantasia. Verdade que a deselegância da rainha Elizabeth era chocante, mas o meu casamento não teria sido antecipadamente festejado com fogos nem haveria o incêndio ritualístico da pira, eu não sairia numa carruagem escoltada e não teria como convidados xeques, reis e presidentes.
Tampouco um dirigível fotografaria todos os detalhes do cortejo. E, o que é pior, a televisão não penduraria uma câmara na abóbada da St. Paul Cathedral, mesmo porque, se catedral houvesse, seria a da Sé que, além de ser um horror arquitetônico, é inglória. Entre as minhas damas, nenhuma bisneta de Winston Churchill. Quanto ao buquê, flor de laranjeira, jamais de mirta, que além de amor sinaliza nobreza. E ainda que eu tivesse as mais incríveis regalias, só pela cor da minha pele o beijo do casamento não valeria nunca um minuto da TV Globo, não faria o Brasil inteiro delirar. Lady Diana é tão loura que eu me sinto uma azeitona.
Na realidade, só não desisto de tudo porque o reverso da medalha não é propriamente um sonho dourado. Casamento real é, antes de mais nada, comportamento. Eu hein… Ter de me desfazer das minhas roupas para usar as de marinheiro, blusas hermeticamente fechadas e vestidos suficientemente largos para dissimular o meu corpo, me curvar para que a minha estatura não seja a vergonha do cara-metade, dizer que não sei se sou capaz de obediência, como se esta capacidade não implicasse a submissão? Não, decididamente eu não dou para rainha, e chega a me revoltar o fato de ter tido tanta inveja de Lady Di. A culpa obviamente não é minha e na realidade nem posso responsabilizar os meus genitores, que me chamaram de Elizabeth. A quantas das recém-nascidas naquela época não se deu o mesmo nome? Ou então Margareth, Vitória…
A geração dos meus pais foi tão vítima como serão as várias gerações dos 750 milhões de pessoas que assistiram ao casamento real. O futuro próximo promete uma infinidade de bebês Dianas, meninas adolescentes e mulheres de cabelos louros, curtos e para trás, estilo que na Inglaterra já se tornou marca registrada e é imitado por centenas de inglesinhas.
Que a nova princesa de Gales dite a moda por lá, e a filha de quem se casar por aqui não venha a se descabelar como eu por não ter saído pelo menos uma vez numa carruagem de cristal e se casado na St. Paul Cathedral, considerando que a única alternativa sendo esta, a vida não valeu.