Censura na febem (1986)
Betty Milan
Este texto integra a nova versão
do livro Isso é o país
As rebeliões se multiplicam na Febem. São “menores”, armados de rojões, pedaços de pau, pedras e até mesmo armas de fogo, que depredam os prédios e fogem em massa, apesar do cerco da Polícia Militar. Vemos as fotos, lemos os detalhes da destruição e da ação policial, o depoimento da direção e das autoridades governamentais, mas ignoramos a versão das crianças, só excepcionalmente ouvidas para denunciar os espancamentos e a contínua humilhação: “De dia a gente é obrigado a ficar agachado no pátio, de noite deitado… o tempo todo de cabeça baixa e as mãos nas costas”.
Quem é o menor? O que diz ele da própria condição? Por que não se dá ouvidos ao seu discurso? Não se trata só de melhorar as instalações da Febem ou de aumentar a segurança, mas de ouvir as crianças para integrá-las. Nenhum leite é mais nutritivo do que o da escuta.
Inútil transferir gente de um para outro pavilhão, reformar unidades, construir novas, descentralizar o “atendimento” ou punir os inspetores culpados pelos espancamentos.
Seria necessário mudar as mentalidades, e, com isso, abrir um espaço para o “menor”, que, sendo carente ou infrator, é, antes de mais nada, um “menor” e não pode ser “atendido” como se não o fosse. Seu discurso é diferente e, por mais obscuro que seja, só pode lançar luz sobre o modo como deve o atendimento se passar.
O menino talvez faça uso do revólver para poder se exprimir. Atira para ser ouvido. O inconsciente não sabe adiar. Se a criança não for escutada, fará ouvir tiros, exigirá do país que receba a infância e deixe de ser eternamente um gigante adormecido.