Bolsonaro ofende até a sombra

Bolsonaro ofende até a sombra

bettymilan
Publicado na Folha de S. Paulo, 30 de agosto 2019

 

Um seguidor de Bolsonaro comparou Brigite, que tem 25 anos mais do que Emmanuel Macron, à Michelle, que tem 27 anos menos do que Jair Bolsonaro e é a sua terceira esposa. Fez a comparação, valendo-se da foto de cada uma com o respectivo marido. Postou as duas fotos com a seguinte legenda: « Entende por que Macron persegue Bolsonaro? » E o presidente que nos envergonha continuamente respondeu: « Não humilha cara. Kkkkkkk ».

Não é preciso dizer que a imprensa estrangeira ficou indignada e o acusou de sexismo, ou seja, discriminação baseada no gênero. Neste caso, se trata de uma discriminação contra a mulher idosa.

Vale lembrar que Emmanuel fez o possível e o impossível para se casar com Brigite, que ele conheceu com quinze anos. Brigite era a sua professora de francês e latim, no liceu onde ele estudava. Além de ensinar, animava um grupo de teatro, do qual ele participou e ela ficou seduzida pela sua inteligência. Os dois montaram uma peça juntos e a história de amor começou. Com exceção da avó de Emmanuel, os seus familiares eram todos contrários à relação. Além de ser casada e mãe de três filhos, Brigite era muito mais velha.

Na cidadezinha, os rumores não paravam, mas a afeição dos dois era profunda e eles só deixaram de se ver quando Emmanuel foi terminar os estudos em Paris. Nessa mesma ocasião, para evitar o disque–disque, Brigite passou a ensinar noutra escola.

Finalmente, em 2006, ela se divorciou e Emmanuel pediu a sua mão, dizendo « aconteça o que acontecer, eu vou me casar com você ». Um ano depois, o casamento foi oficializado no civil.  O aconteça o que acontecer é a frase dos grandes amantes, cuja tradição a França desde sempre cultiva, valorizando as mulheres.

Com o seu ridículo Kkkkkk, Bolsonaro desqualificou o amor e fez a apologia da beleza, que é passageira, embora seja menos do que a duração da sua presidência. Deu a entender, com o seu humor negro, que não é a qualidade da mulher, mas o físico que importa. Depois de ter facilitado os incêndios na Amazônia manifestando-se contra a fiscalização, contra as multas e a destruição dos equipamentos desmatadoras, Bolsonaro acende uma fogueira para as idosas, exercitando-se na sua especialidade: a exclusão.

Macron reagiu ao Kkkkkk, dizendo que, por ser presidente da França ele não ofende os dos outros países. Acrescentou que tem grande consideração pelos brasileiros e espera que logo tenham um presidente digno deles.

Como o fogo na Amazônia, o panelaço se espraiou pelo Brasil e pelo mundo… o barulho das caçarolas e frigideiras. Bolsonaro ofendeu todas as mulheres, das recém-nascidas às que um dia serão idosas, às centenárias. Na sua insensatez, ofendeu também a mãe.

A entrevista de Macron para a televisão francesa depois do G7 mostra que é uma sorte ter no mundo um político como ele. Foi capaz de fechar o evento, que reúne as 7 grandes potências industriais, com Donald Trump, que prometeu aderir ao tratado do clima e negociar com o Iran para evitar uma guerra que pode nos destruir antes de destruirmos o planeta se não formos capazes de nos reinventar.

Um chefe de estado que não sabe do peso das palavras e se vale da brincadeira – que pode ser um recurso civilizatório – para ofender o próximo não é digno do cargo. Ao injuriar Brigite Macron, Bolsonaro injuriou todas as mulheres. Tão lamentável quanto ter dito, no passado, que as mulheres só devem ser violadas se forem bonitas e devem ganhar menos porque engravidam.

Até quando será necessário aceitar, no Brasil, um presidente que usa a palavra mais do que indevidamente e abusa do seu cargo, fazendo pouco dos que o elegeram?  Até quando seremos vítimas do seu Kkkkkk perverso? Depois de ter se ridicularizado em Davos, Bolsonaro se ridicularizou em Biarritz.

Paulo Coelho, que deve muito à França, pediu desculpas pelos conterrâneos, evocando o princípio budista da impermanência para garantir que a situação é tenebrosa mas passa. O quanto antes melhor.