Se não fosse a guerra, eu não teria saído do meu país. O nome do país, não digo de propósito. O que importa não é ser deste ou daquele, e sim o fato de você ser obrigado a deixar o lugar onde vive, fazer depois a travessia, correndo o risco de não sobreviver.
Tive que tomar a decisão mais drástica … a largada ou a morte. Antes de largar, eu não imaginava o que podia ser o mar aberto, o medo de ser devorado pela água ou mesmo assassinado no navio. Sai… este lugar é meu. Sai ou eu te jogo. A lei do mais forte no navio e na terra de chegada. Volta para onde você nasceu. Como se o homem fosse obrigado a viver no país natal. A terra aqui é nossa. O mar é seu. Uma barbárie… sem direito de asilo não existe civilização.
resumo
Baal é uma história familiar. O patriarca e personagem principal, Omar, narra um drama sempre atual : o da imigração.
No final do século XIX, quando seu melhor amigo é capturado por uma milícia para servir no exército inimigo, Omar é forçado a largar do seu país no Oriente Médio. Ao fugir da aldeia, coração partido, jura que voltará buscar a família e a noiva.
Embarca para os trópicos, atravessa o oceano e começa a vida na mascatagem, como os conterrâneos que emigraram para o Novo Mundo. Valendo-se da sua força física e da inteligência, vence as dificuldades, torna-se um próspero atacadista e constrói um palácio, Baal, «uma jóia do Oriente no Ocidente», para sua filha única, Aixa, e a família dela.
Só que, depois da sua morte, os descendentes dilapidam a fortuna. O patriarca, que morreu sem poder descansar em paz por causa dos conflitos familiares, vê a guerra do país natal se repetir no país da imigração. Pervertidos pelo dinheiro e com medo do empobrecimento, os netos resolvem demolir Baal afim de vender só o terreno e fazer com o palácio « o negócio mais rentável ». Tiram a mãe já idosa do lugar onde ela sempre morou e a transferem com a fiel servidora e o cachorro para um cubículo.
Indignado com o comportamento dos netos, Omar os culpa por não se darem conta da sua luta e do alto custo do berço de ouro que lhes proporcionou. Associa a crueldade deles à vergonha das origens. Diz que, além de xenófobos, são desmemoriados, « sucumbiram no fundo negro do esquecimento». Para se opor a isso, ele rememora a história.
A rememoração o obriga a reconhecer os seus erros. Não se empenhou em transmitir o que aprendeu na travessia e, por preconceito em relação às mulheres, não formou a filha, para ser sua sucessora. Se valeu dela para animar Baal, o seu pequeno império tropical, e não para que o palácio continuasse a existir depois da sua morte e se tornasse o que deveria ter sido, um memorial da imigração.
histórico
Baal é o vigésimo sexto livro da escritora e psicanalista Betty Milan. Trata-se de um romance da imigração. O pré-lançamento foi em Beirute (8 de junho 2019) onde a autora – que escreveu dois livros inspirados na diáspora libanesa – foi homenageada pelo Ministro das Relações Exteriores do Líbano (foto homenagem), “pela contribuição para o país dos ancestrais”.
Baal foi lançado em São Paulo (18 de junho 2019), na Livraria da Vila (fotos), com apresentação do crítico literário Manuel da Costa Pinto, segundo o qual a obra se inscreve na tradição dos romances escritos por descendentes de imigrantes e, por ter um narrador morto na tradição, de Machado de Assis, autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas.
No Rio de Janeiro, o romance foi lançado na Livraria Travessa (fotos), com apresentação do escritor Deonísio da Silva e do psicanalista Marco Antonio Coutinho, que sublinhou a importância da pesquisa histórica e cultural e a concisão da autora que se vale da palavra plena.
Os lançamentos foram filmados e se encontram no Youtube (São Paulo | Rio de Janeiro). A imprensa reagiu rapidamente. A Folha de S. Paulo publicou na Ilustrada artigo de Naief Haddad (artigo) e Bete Pacheco, da GloboNews, entrevistou a autora no Em Pauta (video). E Gisele Kato entrevistou a autora para o canal Arte 1 (video). Seguiram-se artigos de escritores no Estado de S. Paulo (Claudio Willer) e no Globo (Deonísio da Silva). Além destes, foram publicados artigos em vários estados do Brasil.
opinião
A autora conseguiu mesclar em “Baal” o tom intimista de seus grandes romances anteriores com o documental da vida brasileira, marcando a inserção de nova etnia cuja cultura tanto enriqueceu o Brasil. Deonísio da Silva
Baal se inscreve numa linhagem, mais restrita e excêntrica: a dos romances escritos por um “defunto autor”. Betty Milan, de alguma forma, “cria” essa linhagem, pois ilumina retrospectivamente os liames que há entre seus predecessores ilustres – em primeiro lugar, obviamente, Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, mas também O pirotécnico Zacarias, de Murilo Rubião. Manuel da Costa Pinto