ALAIN DIDIER-WEILL *
Através de Seriema, pela sua boca, nós aprendemos em O Papagaio e o Doutor de que modo uma jovem brasileira, duplamente exilada — da sua língua materna e do seu país de adoção —, é tomada por uma estranha paixão pela linguagem, quando encontra um estranho indivíduo, que poderia se chamar “o grande outro” e que no livro se chama “o grande homem”.
O estilo desta paixão não é místico por causa do humor constante que faz rir e encanta. Mas também não se trata de um caso clínico. Nós logo ficamos sabendo que Seriema não está em busca de um ganho terapêutico, pois não tem nenhum sintoma que precise ser curado. E é aí que o suspense do livro aparece. Sim, porque a jovem atravessa o oceano para ir falar com o Doutor, volta a falar sem falar e depois parte para falar de outra maneira, em outra língua, noutro lugar. O suspense resulta disso, e a questão que logo se coloca é a de saber o que há na escuta deste homem tão estranho que ela suscita tão rapidamente o desejo de falar mais e ainda. Mais e ainda é, aliás, o nome de um seminário de Lacan.
O Doutor chama Seriema de minha irmã, ele assim a nomeia e eu me pergunto se esta nominação não diz respeito à maneira pela qual o Doutor, o doutor Lacan, nomeou a língua estrangeira, a língua inconsciente, afirmando que esta língua é a irmã do homem, é a sua lira, o que permite a ele aceder à dimensão musical da palavra, que tão freqüentemente lhe escapa e uma mulher pode lhe restituir.
Lendo eu me perguntei se Seriema teve esta função de lira para o Doutor, se ela acaso foi o emissor que recebeu do receptor musical a sua própria mensagem invertida. A inversão, no caso, é Seriema ter falado na língua do exílio ao Doutor e ter encontrado uma língua estrangeira mais profunda e ter partido com esta para um outro lugar.
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* Intervenção na mesa redonda sobre O Papagaio e o Doutor, na Maison de l’Amérique Latine, em março de 1997, por Alain Didier-Weill, psicanalista e dramaturgo francês, autor de Les Trois Temps de la Loi ( Seuil).