A mulher no mundo contemporâneo

A mulher no mundo contemporâneo

 

P: Você, que vive praticamente entre Paris e São Paulo, sente muitas diferenças entre as francesas e as brasileiras no que diz respeito à independência feminina, à visão do mundo, à visão do casamento e da sexualidade?
BM: Vou responder à sua questão indiretamente, através da minha vivência. Quando fui para a França, nos anos 70, me surpreendi com o fato de que podia ir a um restaurante sozinha, abrir o jornal e ler sem ser importunada. Na época, isso aqui era impossível. Mas hoje, pelo menos no Rio e em São Paulo, já não é assim. A liberdade das mulheres é respeitada. Só que há menos mulheres no Brasil que concebem a sua existência sem o casamento do que na França. Quanto à sexualidade, acho que nós, brasileiras, somos mais livres, porque fomos educadas para o prazer sexual. Há mesmo uma canção que diz: “Mulher que nega/ não sabe não/ tem. uma coisa de menos/ no seu coração”. A nossa música popular fala de sexo aberta e suculentamente, ela instiga à transa, diz mesmo que a beleza verdadeira é a beleza de quem ama.

P: Como anda o movimento feminista hoje? Sofreu mudanças, tomou novos rumos?
BM: Recentemente, eu entrevistei para meu livro O séculouma francesa que é especialista na questão, Michèle Sarde, e ela fez um bom apanhado do assunto. Comparou os movimentos feministas nos diferentes países do mundo. Diz que esses movimentos estão enraizados no passado e se articulam em torno de componentes culturais diferentes. Nos países anglo-saxões, a diferença entre os sexos é marcada pela separação na vida cotidiana. O puritanismo reduzia ao máximo a possibilidade de encontro dos sexos para evitar as relações sexuais desaprovadas. Os homens exerciam o seu poder na esfera pública e as mulheres se reagrupavam na esfera privada. Os movimentos feministas se enxertaram nesta realidade, requerendo também para as mulheres o acesso à esfera pública. Concretamente, se reivindicava o direito ao voto e, idealmente, a divisão dos poderes. A conquista da igualdade não acabou, porque as mulheres ainda não têm o mesmo acesso que os homens à vida profissional, à remuneração ou às promoções. E elas também são muito menos numerosas na vida política.
O paradoxo do feminismo americano é que, na sua estratégia, ele é igualitarista, mas considera as mulheres como uma minoria igual às minorias religiosas ou étnicas. Na França, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, as feministas se apoiaram na realidade histórica e sociológica do convívio entre os sexos nas escolas para tentar o equilíbrio, feminilizar o mundo masculino. O paradoxo do feminismo francês é guardar os privilégios adquiridos pelas mulheres, conquistando novos direitos. Na América Latina, a situação é diferente. As mulheres tentam responsabilizar os homens, que tendem a se ausentar da família e ser irresponsáveis. Seja como for, se as filosofias e as estratégias não concordam, os objetivos e os resultados concretos acabam coincidindo.

P: De que forma os homens estão reagindo hoje em relação à emancipação da mulher, sua independência financeira e sexual? Eles ainda buscam aquele perfil de Cinderela desprotegida à espera do príncipe encantado?
BM: Nos Estados Unidos, as mulheres tratam os homens como adversários e as relações entre os sexos são tensas. Michèle Sarde diz que as mulheres e os homens estão mais separados do que nunca. Na França, a relação entre os sexos é mais simpática, mas, salvo rara exceção, a mulher continua a se ocupar da cozinha e da mesa. Ela deve ser emancipada e continuar a ser a dona de casa que era, o que é um absurdo. Acho que no Brasil é mais ou menos assim. Pelo menos nos meios mais favorecidos. Tendo a achar que a independência financeira é bem vista. Já a independência sexual é mais problemática. Muitos homens têm amantes. Já as mulheres não. A pressão social é maior sobre elas.

P: No mercado de trabalho, o preconceito ainda persiste em relação à mulher?
BM: Quando se trata de cargos de responsabilidade, sim. Mas a situação hoje é muito diferente. Quem diria dez anos atrás que a Rede Globo seria dirigida por uma mulher? Ou que uma mulher, Luciana Villas-Boas, estaria à testa da maior editora do Brasil, a Editora Record?

P: Na esfera política, a supremacia ainda é do sexo masculino. Quais as barreiras ainda existentes no que diz respeito à atuação da mulher nesse campo?
BM: As mulheres tiveram mais acesso ao mercado de trabalho do que à esfera política. Durante a Revolução Francesa, Olympe de Gouges foi autora de uma Declaração dos Direitos da Mulher e proclamou: “Se as mulheres têm direito à guilhotina, elas também têm direito à tribuna”. Olympe de Gouges foi guilhotinada. Os homens sabem da importância da tribuna e por isso não é fácil ocupá-la. Além do mais, ainda estamos nos educando para fazer isso. A nossa tradição é a dos panos quentes e do silêncio. Mas vai mudar.

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Entrevista concedida a Helena Vasconcelos, Diário do Nordeste,  5/03/2000.