A força do silêncio
A palavra é uma porta para o céu e o inferno. Pode sacramentar o amor e destruir uma amizade. Escorregar pela boca de Gandhi ou de Mussolini. Escalar limites e descer ao abismo das incompletudes. Ela diz na veia tudo o que corre na alma e foge do espelho. Assim, espelhando almas, a jornalista Betty Milan escreveu A força da palavra, lançado pela editora Record.
Autora de Paris não acaba nunca e O Papagaio e o Doutor, Betty reúne em seu novo livro entrevistas com o Prêmio Nobel Octavio Paz, com Nathalie Sarraute, Jean-Claude Carrière, Jacques Derrida, Alvaro Mutis e outros grandes escritores de renome internacional. Na verdade, mais do que entrevistas, Betty Milan faz retratos. Cada qual focalizado de um ângulo diferente. Com um jogo de cintura de malabarista, a autora se enquadra à personalidade de cada entrevistado, sem deixar de impor o seu ritmo e o estilo que conduz as conversas. A força da palavra poderia se chamar “A força do silêncio”. Sim, do silêncio. Porque, acima de tudo, Betty sabe escutar nos momentos certos. Esse é um segredo aparentemente simples, mas que exige percepção, controle e sabedoria (1).
P: Qual a grande força da palavra?
BM: São os efeitos que ela tem sobre o sujeito. A palavra tem uma duração que transcende a matéria. Na Grécia antiga, quando os atletas queriam seus nomes registrados na História, preferiam os versos escritos sobre eles a ter esculturas. Acreditava-se que o verso daria eternidade à glória.
P: No prefácio do livro, o filósofo Gérard Lebrun escreve: “A entrevista de uma personalidade literária é um gênero perigoso. Entrevistado com respeito excessivo, o escritor nada dirá de novo sobre si mesmo. Se, ao contrário, ele for submetido a questões indiscretas, responderá furtando-se, querendo se livrar o quanto antes do importunador”. Como encontrar esse equilíbrio?
BM: A força da palavra está ligada à da escuta. Quando você sabe escutar, o outro vai dizer o que é essencial. O bom entrevistador é aquele que desaparece para que o entrevistado apareça. É aquele que está preparado com boas questões, mas que não se submete a um roteiro. Ele autoriza o desvio.
P: Na introdução, você diz: “O trabalho de que resultou este livro me fez acreditar ainda mais na necessidade de uma escuta que não negue ao outro o seu estilo”. Escutar também requer estilo?
BM: Também… Que bonita observação! Esta é uma questão luminosa. A escuta implica o estilo. Aquele que escuta tem um texto subjacente. A entrevista é uma arte sempre que requer um estilo individual. O grande salão literário da França é o programa de Bernard Pivot, que entrevista há vinte anos os principais escritores do mundo. Paulo Coelho foi entrevistado por ele. Eu me inspirei nesse programa para fazer o meu livro.
P: Você questiona: “(…) o que unifica essas entrevistas com escritores e intelectuais estrangeiros publicadas na grande imprensa brasileira? Examinadas uma a uma, elas não têm unidade temática.” Essa unidade está no modo como você conduz as entrevistas?
BM: De certa modo, sim. Mas essa forma não pode ser generalizada. Cada entrevistado é um. Isso muda tudo. A boa entrevista leva o entrevistado a descobrir coisas que ele não sabia. Você, por exemplo, me fez ver que a escuta também implica um estilo.
P: Das vinte entrevistas do livro, houve alguma que a inquietasse mais?
BM: Todas me afetaram, graças a Deus. Mas existe a entrevista propriamente e a redação, na qual você faz os cortes que valorizam aquilo que o entrevistado disse. O entrevistador é como um retratista.
P: Ele retoca as palavras?
BM: Exatamente. Entre o que foi dito e o texto há uma distância que precisa ser bem trabalhada.
P: Depois da entrevista com Octavio Paz, ele convidou você para tomar um café e conversou sobre Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Após desligar o gravador, já surgiram conversas que você gostaria de ter registrado?
BM: Sem dúvida. Mas isso não é possível. Esse fato só acontece porque já passou o momento oficial. Talvez eu precisasse escrever sobre esses encontros.
P: Por que não escrever um livro sobre eles?
BM: Quem sabe? Provavelmente em minhas memórias. Mas isso ainda vai demorar.
P: Atualmente, você vive na França. Como a literatura brasileira está sendo recebida no exterior?
BM: Nathalie Sarraute me disse que gostava muito de Jorge Amado. Na verdade, a nossa literatura é mal-reconhecida no exterior. Os livros brasileiros estão lá, traduzidos. O problema é que não são bem trabalhados junto à crítica e às universidades. Não são bem divulgados. Machado de Assis poderia ser capa do Le Monde e continuar vendendo cinco mil exemplares…
P: Como você analisa a divulgação de livros na imprensa brasileira?
BM: O espaço ainda é pequeno. Adoraria fazer esse trabalho com autores brasileiros. Na França, a literatura é levada mais a sério.
P: O que é levar a literatura a sério?
BM: É ter uma crítica competente. Na França, existe isso. Mas quem escreve nos jornais brasileiros são resenhistas que não são necessariamente preparados para esse ofício.
P: Você concorda que nem sempre eles têm tempo para isso?
BM: Concordo. É preciso muito estudo e dedicação para exercer a crítica literária.
P: Como foi o seu contato com o Parlamento Internacional dos Escritores?
BM: Foi uma grande experiência. Estive na cidade-refúgio que abriga os escritores ameaçados de morte. É inconcebível que se censure o imaginário. Salman Rushdie inventou uma história sobre o Alcorão e a sua ficção foi censurada. Isso é muito grave. Não se pode negar a uma pessoa a possibilidade de imaginar.
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1. Jornal Lector, Rio de Janeiro, p. 6, setembro, 1996.