Paulo Coelho
Betty Milan
Este texto, do livro Isso é o país, foi publicado sob o título “Utopia
de Coelho não passa pela Sorbonne”, Folha de S. Paulo, 6/10/1996
Paulo Coelho não é Flaubert, e sempre que a literatura pura — aquela de que se pode dizer “é literatura e ponto” — for a referência do crítico, Paulo Coelho não será focalizado como deve ser.
Ao jornalista que perguntou o que ele pensava da ideia de que só fazia marketing, e não literatura, o escritor simplesmente respondeu: “Cada livro tem um destino a cumprir”.
Não é e não quer ser Flaubert. A ele não interessa deixar-se levar pelas palavras ou se valer das metáforas para se referir às coisas. Não veio para reinventar a forma literária do romance ou renovar a língua. Vale-se da forma romanesca e das palavras para tratar de um tema de modo envolvente. Quando termina de escrever um romance, só quer saber dos seus primeiros leitores se eles foram ou não até o fim.
Mas a que veio este brasileiro que vendeu 5 milhões de livros no país, foi traduzido para 26 línguas e, na França, além de bater todos os recordes de permanência na lista dos mais vendidos, foi considerado o autor de um conto filosófico tão importante quanto o O pequeno príncipe de Saint-Exupéry?
As suas declarações iluminam o projeto implícito na obra, o de dar aos seres e aos povos o que lhes falta: uma orientação espiritual. Declarou por exemplo que ia lançar O alquimista na Iugoslávia, em sérvio, croata e esloveno, na esperança de que sérvios, croatas e eslovenos, por gostarem do mesmo livro, pudessem se encontrar. Utopia, claro; porém, os que só apontarem isso enfraquecem a luta pela paz.
No lançamento brasileiro de O monte cinco, Paulo Coelho declarou que os escritores têm um compromisso ético: o de se engajar na luta contra o fanatismo e despertar o horror à guerra. Do contrário, em cinquenta anos, estaremos às voltas com as guerras santas e os Estados teocráticos.
Compromisso ético em mente, planejou lançar, ao mesmo tempo, várias traduções de O monte cinco (inglês, francês, italiano, norueguês e alemão) na zona verde do Líbano. Fez implicitamente com isso a apologia das diferentes línguas, que nada mais são do que diferentes maneiras de ser. Ensinou a conviver com o outro, assemelhando-se, com isso, ao personagem do seu livro, Elias, que era sábio porque podia conviver com o inimigo.
Paulo Coelho nunca negou que quisesse ganhar dinheiro com seus livros. O personagem principal de O alquimista não se cansa de aprender que, para encontrar o seu tesouro, precisa de dinheiro. Não recusar ao homem o direito ao dinheiro é uma das máximas deste escritor brasileiro que tanto se inscreve no campo da filosofia quanto no do que poderíamos chamar de “ literatura de missão”, um gênero que não terá sido inventado por um autor nascido no Brasil casualmente.
Isso não só por termos uma tradição messiânica, mas ainda porque a cultura verdadeiramente brasileira é internacional e contrária aos nacionalismos. Considere-se o desfile da Marquês de Sapucaí. Antropofágico, tira tudo do contexto, descontextualiza como Paulo Coelho, que põe uma palavra árabe, maktub, na boca do seu pastor espanhol e faz o alquimista aparecer como os gênios das Mil e uma noites. Paulo Coelho, devorador insaciável do Oriente, é um antropófago brasileiro, um índio tocando um alaúde.
Quanto ao Maktub, ele não o usa tanto por acaso. Maktub significa “está escrito”, e, queira ou não, Paulo Coelho faz gente que antes não lia passar pela escrita. Faz isso precisamente porque, ao contrário dos doutores, não quer impor os valores da Sorbonne a ninguém. Numa das suas entrevistas, a propósito de O monte cinco, ele, aliás, disse que lutou muito contra a tentação doutoral de exibir conhecimento e erudição.
Trata-se de um escritor diplomado na cultura popular brasileira. Isso pode ser deduzido da leitura do Alquimista, obra surpreendentemente antropofágica que, por sê-lo, fez sucesso na França, onde o cartesianismo, sob a influência das culturas do Novo Mundo, passou a ter menos vez.