Paris não brilha da mesma forma que Nova York
betty milan
Folha de S. Paulo, Colunas e Blogs, 03 de julho 2024
Nova York brilha de uma maneira e Paris de outra. No livro Dias tranquilos em Clichy, Henry Miller diferencia uma da outra : “Broadway é a velocidade, a vertigem, o maravilhamento, e nenhum lugar onde a gente possa se sentar. Montmartre é indolente, preguiçosa, indiferente, meio-pobre e sórdida; mais sedutora do que vistosa, ela não cintila à maneira da Broadway, porém luz como a brasa sobre a cinza”
Me radiquei para me formar em Paris, no ano de 1974, e fiquei até 1978. Voltei a me radicar em 1989 e, cinco anos depois, passei a escrever as crônicas que foram reunidas no livro Paris não acaba nunca, título inspirado no último capítulo do livro de Hemingway, Paris é uma festa. O capítulo em questão se chama Paris não tem fim.
Na época, eu podia andar despreocupadamente pela cidade, flanar para depois escrever sobre o que tinha me surpreendido. Noutras palavras, me deixava guiar primeiro pela errância e pela surpresa.
Só bem depois eu li Pé na estrada de Kerouac e me dei conta de que o método dele havia sido o mesmo. Jacques Kerouac viajou com Neal Cassidy pelos Estados Unidos durante sete anos, percorrendo a rota que vai de leste a oeste, Nova York a São Francisco; errou primeiro pelo país e depois pela língua, deixando-se levar pelas palavras. Graças à viagem, descobriu uma forma completamente livre de narrar. Normal que o título da obra que o consagrou seja Pé na estrada.