O que é ser jovem até o fim
Revista Veja, 15/06/2011
O que significa envelhecer? Ouso me perguntar o significado deste verbo que a modernidade ocidental baniria da língua se pudesse. No primeiro sentido do dicionário, envelhecer é se tornar velho. Leio e releio a frase que me remete a um amigo de infância, Francisco, precocemente envelhecido. Continuo, no entanto, sem resposta.
Volto ao dicionário. No segundo sentido, envelhecer é tomar aspecto de velho. Olho a foto de Lacan que está na parede e vejo os cabelos brancos. Só que ele não é velho pelas suas cãs. A intensidade do olhar evidencia a juventude do homem, que era jovem aos setenta e quatro anos, quando o conheci. Só bem depois ele deixou de estar bem.
Nos outros sentidos que o dicionário dá, eu também não encontro resposta. No caso dos humanos, não se pode dizer que envelhecer é perder o viço. O homem não é um fruto. Tampouco se pode dizer que é estar em desuso. O homem não é um objeto.
A busca de um esclarecimento, através da língua, se mostra infrutífera. Olho de novo para a foto e me digo que o envelhecimento físico não é suficiente para caracterizar o velho. Me pergunto então por que Lacan, como Freud, não o era com mais de setenta anos, enquanto Francisco envelheceu aos sessenta.
Comparando-se a Picasso, Lacan dizia que não procurava as suas ideias, simplesmente achava. Um belo dia, declarou no seminário: «—Eu agora procuro e não acho». Com esta frase, anunciou que a sua vida começava a acabar. Pouco depois, tomei o avião de volta para o Brasil. Na época, a única razão para estar na França era o trabalho com ele.
A juventude de Lacan, como a de Picasso, estava ligada à capacidade de se renovar através do trabalho. Duas vezes por mês, se apresentava em público, diante de mil pessoas, com ideias novas, e, para isso, muito se esforçava. Mais de uma vez, encontrei-o exausto no consultório.
Lacan foi um exemplo de vida por nunca ter parado de começar. Embora fosse um intelectual, Francisco, ao contrário, considerou, a partir dos sessenta, que já não podia começar nada de novo e não parou de se repetir. Não quis abrir mão de nenhum hábito da juventude. Aos sessenta, comia, bebia e fumava como aos dezoito. Lamentava o tempo que passa, porém não aceitava este fato e não se detinha nas mudanças do corpo para encontrar soluções de vida.
Só sabia dizer: “Na minha idade é assim”. Foi vítima de uma fantasia arcaica sobre a idade e viveu à contramão do tempo, fazendo de conta que o tempo não passa. Morreu precocemente por não ter sido capaz de entender que, depois de ser natural, a juventude é uma conquista.