O poder da palavra

O poder da palavra

Revista Veja, 03/06/2009

A vida não é fácil e se torna impossível quando dizemos o que não deve ser dito. Com essa frase eu poderia ter concluído a resposta dada a uma leitora, que corre o risco de prejudicar gravemente a própria  ilha por ser incapaz de se conter.

Deu à luz aos 16 anos por conta de um escorregão “daqueles que muita gente dá” e assumiu a responsabilidade da gravidez, lutando para sustentar a filha e se ocupando de todos os detalhes da sua vida. Foi pai e mãe, durante mais de uma década. Só que agora, cansada de se ocupar sozinha, perdeu a paciência e diz para a menina que ela não faz nada direito e não será nada na vida. Como se não bastasse, no momento de raiva, culpa-a por não ter um emprego melhor, acrescentando que abriu mão de tudo para ser mãe. De tão culpada, a menina responde que não devia ter nascido.

Não é preciso muito para perceber que estas falas são uma condenação à infelicidade. Por um lado, a menina só poderá ser competente contrariando a genitora e a competência não a deixará feliz. Por outro, só pode viver, arcando com a culpa de privar a mãe da própria vida. Uma sorte que ninguém merece. Com as palavras, a mãe torna a vida da filha contraria à sua, expondo-a ao desejo do suicídio e se expondo a uma perda irreparável. São palavras mortíferas, que tornam a vida impossível. Sendo mais comuns do que imaginamos, dão o que pensar sobre a palavra.

Com ela, nasce o amor que move o sol e as estrelas, o doente se cura e o morto segue para outro mundo sem deixar de existir no mundo dos vivos. Com ela, o consolo se torna possível e a dor da perda pode ser superada. A palavra serve para unir, curar, consolar… Porém, também para desunir, prejudicar, desesperar… Em Grande Sertão Veredas, Guimarães Rosa escreveu que viver é perigoso. Se substituirmos viver por falar, teremos uma máxima igualmente verdadeira pois falar é perigoso, implica cuidado. Daí a razão pela qual se  diz que o silêncio é de ouro.

Mas quem não fala não se liga realmente aos outros. Para encantar, é preciso correr o risco de decepcionar. Para ser aprovado, é preciso se expor à desaprovação. Portanto, é imperativo falar. Isso significa que só nos resta saber falar, ou seja, não dizer o que não deve ser dito. Só resta a prudência que, além de necessária, é possível, embora suponha uma vigilância contínua.

Nós nos fazemos através da palavra, e, no entanto, a consciência disso é insuficiente. Por que não somos educados para escutar o que dizemos. Como se essa educação devesse ser privilégio do psicanalista, e não um recurso ao alcance de todos. O fato é que poucos são capazes de se escutar e essa incapacidade é a maior razão do conflito entre as pessoas e os povos.

Quem se escuta está mais preparado para fazer bom uso da palavra. Para usá-la como um fio que conecta ao outro e não como uma espada que separa e mata. A sorte depende e muito do que nós dizemos.