Entrevista de Elisabeth Badinter, autora de O mito do amor materno para Betty Milan, autora de Carta ao filho
bettymilan
Folha de S. Paulo, 11/05/2015
Elisabeth Badinter pode ser apresentada como escritora, filósofa, feminista e mulher de negócios, presidente do Conselho do Grupo Publicis, terceira maior empresa de publicidade do mundo. Também pode ser apresentada como uma mulher, cujo estilo evoca – pela elegância e simplicidade – o das aristocratas. Sua língua, pela extrema clareza, faz pensar nos escritores franceses do século XVIII.
Mas é pelas suas idéias que Elisabeth, « uma das mil filhas de Simone de Beauvoir » como ela própria diz, ficará na história. Por ter ousado escrever, há quase trinta anos, O mito do amor materno, livro no qual afirma que o instinto materno é um mito e o amor nasce do convívio entre a criança e a mãe. No seu mais recente livro, O Conflito: A mulher e a mãe, voltando-se contra o ponto de vista dos naturalistas, ela denuncia vigorosamente a pressão exercida sobre as mães para amamentar e dormir com os bebês. » « Esquecemos que, depois da guerra, as crianças foram amamentadas com mamadeira e tiveram uma vida longa ».
O feminismo de Badinter, que se manifesta publicamente com frequência, é o de quem defende o direito das mulheres de usarem o próprio corpo como bem entenderem. « Temos o direito ao aborto e à atividade sexual que nos convier… As prostitutas têm o direito de se prostituir. Trata-se de uma questão de princípio.» Na mesma linha, ela defende o casamento homossexual e a homoparentalidade.
Segue a sua entrevista, concedida no apartamento em que vive com o marido, o ex-ministro da Justiça da França, Robert Badinter, com quem teve três filhos.
O que a levou a escrever sobre o mito do amor materno?
Uma observação no Jardim do Luxemburgo. Vi no rosto das mães o aborrecimento por estarem ali sozinhas com a criança. Pareciam se sentir alienadas. Questionei então o mito do instinto materno, segundo o qual, durante a gravidez, nós sentimos pelo feto um amor irresistível e automático. Este amor existe entre os macacos, mas não entre nós, que temos um inconsciente, uma história e uma relação com os nossos pais. Me perguntei então a quem o mito do amor materno serve.
Qual foi a resposta?
Acho que serve para atribuir um papel exclusivo às mulheres, um papel exclusivo. Para os homens, o poder, e, para as mulheres, a casa, o cuidado com as crianças, os trabalhos domésticos.
O que explica o surgimento do mito ?
No século XVIII, só uma criança em cada duas sobrevivia, e isso porque as crianças eram entregues a babás mercenárias, que não as alimentavam devidamente. Nem as aristocratas, nem as burguesas e nem as pequeno-burguesas queriam amamentar. No século XIX, fizeram uma enorme pressão sobre as mulheres para que ficassem em casa e amamentassem durante 6 meses, um ano, a fim de que os bebês sobrevivessem.Consideravam que o leite materno assegurava a sobrevida, e a França precisava de soldados e de camponeses.
A maternidade foi novamente o tema de O Confilto, a mulher e a mãe, publicado em 2010. Nele, a senhora denuncia a volta a uma concepção reacionária da maternidade em nome de uma certa ecologia «pura e dura». Como explicar o retrocesso?
Uma das causas é a crise econômica; as mulheres da geração seguinte à minha foram as primeiras a serem afetadas pela crise. Entre elas, as que tinham feito estudos universitários, se perguntavam de que servia ter uma dupla jornada de trabalho se, de um dia para o outro, podiam ser despedidas – jogadas no lixo como um kleenex – pela empresa onde trabalhavam. Houve um desamor entre a empresa e as mulheres. Com o discurso ecológico, surgiu a ideia de que a geração anterior, a minha, pecou pelo consumismo excessivo em detrimento da natureza. Houve uma crítica ao nosso modo de vida. A geração das filhas sempre critica a das mães. As mães eram feministas, queriam a igualdade; as filhas se disseram que não queriam ser iguais a essas mães, que levaram uma vida de cão, voltavam do trabalho completamente esgotadas etc.
Quais são os imperativos da ecologia pura e dura que devem ser recusados? A ecologia está muito na moda no Brasil.
Acho que é preciso recusar o ódio de tudo que diz respeito à ciência. Estou pensando na desconfiança das mulheres em relação aos remédios, ao mundo hospitalar, à [anestesia] peridural. A idéia de que é necessario ficar sem peridural e que dar à luz é um sofrimento maravihoso me horroriza. Como isso é masoquista! Nós cuspimos sobre séculos de progresso que fizeram a condição feminina melhorar, deram às mulheres mais satisfação pessoal e corporal.
Em Conflito, a mulher e a mãe, a senhora diz que desde o século XIX os modelos de mãe proliferam, quando não existe modelo possível, e sim casos diferentes e únicos. Poderia falar sobre isso?
A mãe ideal é tão rara quanto Mozart. Há mulheres com um dom particular, que conseguem achar a boa distância entre elas e a criança e chegam a conciliar da melhor forma o seu desejo de mulher e a sua vida de mãe. Mas a verdade é que nós somos todas mães médias, para não dizer medíocres. Uma mulher é um ser humano com seus desejos, sua história e sua neurose. Não há como ser perfeito, a gente não entende tudo o que acontece na vida do filho.
Acho que podemos diminuir a quantidade de erros, aprendendo a escutar, em vez de ter uma idéia fixa sobre a educação.
O que você diz é verdade. Mas, frequentemente, essa idéia fixa é inconsciente. Por outro lado, eu pertenço a uma geração de mães que escutaram seus filhos e toleraram muita coisa. Será que eles são mais felizes por isso? Não tenho certeza
O fato é que ninguém ensina a ser a mãe do próprio filho.
Não, e a gente também é mãe em função da própria mãe. Adotamos o modelo dela ou um contramodelo. Nos dois casos, dá na mesma… acabamos sendo mães mediocres. Diabólico dizer para as mulheres que nós podemos ser a mãe ideal. porque é uma fonte de culpabilidade. Acho necessário dizer que a gente faz o que pode, nos confrontamos com dificuldades que não sabemos resolver e ponto. O destino da humanidade é esse.
Recentemente, na França, uma parte da população se opôs à legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo e à adoção de crianças por casais homossexuais. A senhora participou do debate, defendendo o direito à homoparentalidade. Como foi?
Passei anos pensando no assunto, me perguntando se eu era a favor ou contra. A inexistência de um modelo natural perfeito me parece decisiva. Ao longo dos séculos, houve tantos fracassos nas famílias, tantos dramas! Como a natureza produziu muitos fracassos, acho que a família heterossexual não pode dar lição alguma. Existe ainda uma intolerância muito grande em relação à homossexualidade. Na França, nós fizemos o pax e é possível que as pessoas contrárias ao casamento entre homossexuais temessem que, depois do casamento, viesse a filiação. Só que as crianças educadas por casais homossexuais não são nem mais felizes e nem mais infelizes do que as educadas por casais heterossexuais.
Sobretudo porque a função paterna pode ser exercida por uma mulher e vice versa.
Com certeza
O que importa é a função pataerna e a função materna. Do ponto de vista da psicanálise, não há por que se opor ao casamento homossexual.
Françoise Dolto observou que não há mais crianças perturbadas entre os filhos de homossexuais do que entre os filhos de heterossexuais. Há 30 anos que os americanos observam isso. Fizeram muitos estudos com crianças de homossexuais e de heterossexuais e não verificaram uma diferença essencial. O problema é que, no fundo, nós pensamos que a função paterna e a função materna devem ser encarnadas por um homem e por uma mulher, o que não é verdade.
Qual deve ser hoje o papel do feminismo?
Acho que devemos sustentar tudo o que leva à igualdade dos sexos. Estou em total desacordo com o feminimismo que faz da mulher uma vítima dos homens. A insistência na mulher vítima é negativa quando queremos seguir pelo caminho da igualdade. O feminismo que interessa é o que induz as mulheres à conquista, Necessário dizer para as mulheres: «O mundo é seu. Vá em frente».