O feminismo brasileiro tem que ser diferente
bettymilan
As puritanas americanas censuram as libertinas francesas por terem dito que os homens têm o direito de importunar as mulheres.
Como sempre, fui ao dicionário e procurei o sentido do verbo importunar. O dicionário dá tanta ênfase à ideia de incomodar quanto à de insistir.
As francesas, que adoram uma corte, defendem o direito dos homens insistirem no seu desejo, e elas estão certas. O amor cortês não existiria se os amantes não insistissem nele junto às suas amadas. A insistência nada tem a ver com o assédio, que implica a violência, porque faz pouco da recusa de quem é importunado.
Agora, o alarde que as americanas estão fazendo serve para barrar a violência sexual. Isto é, no mínimo, tão importante quanto sustentar a liberdade de expressar o desejo. Tanto umas quanto outras estão certas – e estarão erradas sempre que fizerem generalizações sobre o assunto.
Sobretudo porque o importunar tem sentidos diferentes em função da cultura. No Brasil, por exemplo, onde não existe a tradição da corte, ele tende a ser sinônimo de assédio. Cada cultura precisa se debruçar sobre a maneira como o assédio se dá, a fim de evitar que ele aconteça. No Brasil, o que mais importa é ensinar o controle da sexualidade, porque o descontrole impera.
O feminismo brasileiro só não andará a reboque do americano ou do francês se elaborar uma política própria em função da situação concreta das mulheres nos diferentes estados, a fim de educar os dois sexos e desqualificar o machismo – uma ética infeliz e assassina, como evidencia a Tragédia brasileira, de Manuel Bandeira.
O funcionário Misael conhece a prostituta Maria Elvira. Tira da «vida», instala e trata. Só que ela arranja namorado. Para evitar escândalo, Misael muda de bairro. Muda dezessete vezes, até um dia matar a mulher a tiros. Misael, indubitavelmente, fez de tudo para escapar ao imperativo machista, mas não teve como – e Maria Elvira pagou o preço máximo: foi assassinada.
Como a Maria Elvira do poema de Bandeira, 12 mulheres brasileiras são assassinadas por dia e 135 são estupradas – reportagem da Folha de S. Paulo de novembro de 2016. Saber onde, por que e como isso aconteceu é o que deve nos interessar. Do contrário, não é possível tomar as providências necessárias. A exemplo disso, a melhoria da rede de atendimento para as mulheres agredidas – como sugere Olaya Hayashiro, conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ou a formação dos policiais que se ocupam delas – como sugere Samira Bueno, diretora-executiva do mesmo Fórum. Para dar uma ideia do despraparo que existe, Samira conta que uma mulher foi assassinada pelo marido dentro de uma viatura policial!
As providências são mais do que urgentes, mas não suficientes. Só podemos mudar a situação verdadeiramente reeducando a população. Isso implica dar ouvidos às mulheres agredidas e aos agressores para saber que fantasias deram origem aos atos hediondos diariamente praticados no país. Direta ou indiretamente, todos nós já estivemos expostos à violência e a reação se impõe.