O exílio do escritor

O exílio do escritor

Betty Milan
Este texto apareceu com o título “Sobre países inexistentes”,
Folha de S. Paulo
; 3/10/1981

O país do escritor é um país casual, em que só através da escrita ele entra e do qual a vida inevitavelmente o distancia, condenando-o ao exílio e a um eterno desejo de retornar, um desejo que atravessa sua obra, obrigando-o a cantar o retorno e a só ter o país do seu cantar.

Aqui, o poema de Hölderlin “Retorno” e a bela interpretação do psicanalista Juan David Nasio se impõem. No poema, Hölderlin celebra seu reencontro com a terra natal. Mas, diz Nasio, o retorno de que nele se trata nada tem a ver com tocar o solo de origem, voltar às fontes. Voltar não é ainda reencontrar, e o retorno se faz para o poeta no ato de escrever o poema. Com ele, volta efetivamente à sua terra, conquista o país natal.

O que é então este lugar de nascimento senão uma poesia natal; o retorno ou um passo adiante, como se a natalidade fosse uma terra a conquistar através de invenções, como se para voltar verdadeiramente fosse preciso dizer o novo?

O exílio do escritor resulta do que ainda está por dizer e, por isso, mesmo no próprio país, vive radicalmente excluído, a não ser nos momentos fecundos em que lhe é dado retornar. Não há como ele ser quem é sem uma confrontação efetiva com a exclusão, sua sina, sua pena e seu tesouro.

Viver como escritor é insistir no impossível, celebrar uma identidade que está sempre por se dar. Não é ser apátrida, mas é não ter pátria como os outros, uma pátria certa, de que nunca se duvida e se imagina dada de uma vez por todas.

Viver como escritor é habitar a língua, reconhecer que um esquecimento essencial e fundador ocorreu, que o país originário está ainda além. Ou seja, é aceitar o paradoxo de voltar para a frente e topar o desafio de só encontrar para perder.

Noutras palavras, é existir no culto do que virá e se entregar a um discurso que interessa a milhares de pessoas, embora não seja defendido por ninguém.

Aliás, nem poderia. Onde quer que esteja, a verdadeira rememoração, a que levou Proust a de fato encontrar um lugar, a escrever À procura do tempo perdido,é contrária à eficácia que de nós se espera, contraria todo e qualquer país.