O desejo de não saber

O desejo de não saber

Revista Veja, 02/11/2011

Hokusai poderia ser sinônimo de Japão como Van Gogh de Holanda. Um e outro são a expressão do seu país, embora Hokusai não seja muito conhecido no Ocidente, e, talvez por não ter sido tão bem aceito pela Academia quanto pelo povo japonês. O fato é que ele ilustrou mais de 120 obras, abordando todos os temas, descrevendo os trabalhos e os prazeres dos compatriotas da rua, do campo e do mar. As suas cortesãs são mágicas e as suas visões inesquecíveis.

Entre as imagens da coleção Manga, palavra cuja tradução é desenho espontâneo, há uma do Buda, particularmente interessante. O Buda aparece no meio de quatro demônios. Ao lado de cada um deles, está escrita uma das quatro verdades do budismo: a do sofrimento, que toda vida implica; a da origem do sofrimento, que está no apego; a do fim do sofrimento, que é possível; a do caminho do meio, que faz o sofrimento acabar.

A verdade está associada ao demônio porque o homem tende a ignorá-la. Para explicar esta tendência, o budista se refere à paixão da ignorância e o psicanalista a do não querer saber. Para aquele, nós somos vítimas do desejo de ignorar, e, para este, do desejo de não querer saber. Nos dois casos, somos responsáveis pelas nossas misérias.

Entre o Budismo e a Psicanálise não há oposição, embora haja uma grande diferença. Para o budista, o caminho da verdade é o do meio, ou seja, o bom senso. Para o psicanalista, o caminho da verdade é o que permite decifrar o inconsciente, ou seja, da escuta. São posições diferentes. Uma é própria à cultura asiática, para a qual a subjetividade não importa, e a outra, à cultura ocidental, que não existe sem o sujeito, o desejo e a fantasia.

Embora diferentes, tanto o Budismo quanto a Psicanálise podem nos guiar pois o que realmente interessa é não nos distanciarmos da verdade, não cairmos no engodo de mentir para nós mesmos e sofrer.