O desafio da liberdade
Revista Veja, 06/05/2009.
Além de romancista, Françoise Sagan é filósofa. Na entrevista que ela me deu, perguntei o que é a liberdade. Sagan respondeu com a seguinte frase: “Ser livre é querer o que a gente pode”. De imediato eu não entendi.
Recentemente, no Consultório Sentimental, respondi a uma leitora cuja história ilustra a frase. Apesar de casada, não resiste ao ímpeto de seduzir, empenhando-se em conquistar outros homens. Aproxima-se até conseguir. Não faz sexo, só procura despertar o sentimento amoroso. Quer o pretendente aos seus pés.
Como Don Juan, esta leitora seduz pelo gosto de vencer a resistência e se afirmar. Como ele, não ama ninguém. Amor, só por si mesma. Serve-se dos homens para suscitar a paixão e se sentir vitoriosa. A sua referência é a guerra e o fim justifica os meios.
Mas ela sofre com o ímpeto a que está sujeita. Sobretudo quando o seduzido se apaixona e quer uma relação que ela não pode sustentar. Conquistar é um imperativo a que obedece cegamente e não a deixa viver como deseja. Trata-se de um imperativo que impede de ser livre.
Nos termos de Françoise Sagan, ela não é livre porque quer o que não pode. Freud diria que está sujeita a uma compulsão inconsciente e esta a faz agir como um robô, entregar-se a uma caçada que não interessa e resulta num contínuo desassossego.
O fato é que, sem liberdade subjetiva, a liberdade não existe. O grande engôdo da revolução sexual dos anos sessenta foi a fantasia de que a liberação sexual era suficiente. O não à repressão foi um grande passo, também dado graças à penicilina, que acabou com o medo da sífiles, e à pílula, que nos livrou do medo da gravidez indesejada.
Só que, além do não à repressão, é peciso dizer não à obrigação e à compulsão. Depois da revolução sexual, para ser liberada, a mulher precisava dizer sim a todas as propostas masculinas e o homem precisava ter uma atividade sexual intensa. Houve uma tirania do sexo por sermos obrigados a transar afim de provar que éramos livres. Um segundo não se impôs. O não à transa obrigatória.
O terceiro não que a liberdade exige de nós independe de uma ação política ou social. Só depende de uma ação subjetiva, que passa pela fala e pela escuta e leva ao conhecimento de si. Implica a rememoração do passado para impedir a repetição no presente, a volta no tempo para reinventar o futuro.
Isso requer a escuta de um analista? Não necessariamente. Requer a escuta de pessoa que, por um lado, seja sensível à palavra, e, por outro, à fragilidade alheia e à própria, alguém disposto a ouvir como o amigo, que deseja contentar o seu amigo e sabe que só ganha perdendo tempo com ele. Noutras palavras, alguém que sabe da importância da gratuidade.