O clarão de Betty Milan
Fábio Lucas (1)
De que fala O clarão de Betty Milan? A narrativa se concentra especialmente em duas personagens, Ana e João, e tem como subtítulo “O romance do amigo”.
Talvez não fale apenas da amizade, usada como centro de gravitação temática. Diz também do amor, da vida e da morte. Amor ausente, vida vazia e ameaça de morte, contra a qual vale o mito de Sherazade, posto na personagem coadjuvante Vera, mais vocacionada ao silêncio.
Daí o sentido de O clarão: com a palavra se introduz o amor, se prolonga a vida e se insurge contra a morte. O fio de Ariadne, lembrado, se faz de palavras que ensinam a sair do labirinto (existencial).
Indesejada ao nascer, Ana, transformada em atriz, precisa do outro para a ver no palco, e não para con-viver, ou viver com. O moto-contínuo do discurso, palavra-puxa-palavra, inventa a vida: “Não começar a parar e não parar de começar”, frase típica que João endereça a Ana. Ele, o carinhoso publicitário em agonia.
Livro apoiado em máximas que servem de ponte entre os dois protagonistas, Ana e João, fundamento da amizade e suporte do texto. Provêm do amigo ou de Dante, Shakespeare ou Fernando Pessoa.
No andamento da narrativa, reúnem-se com outras, como “a verdadeira razão da amizade é sempre ignorada”; ou “o amigo ganha perdendo tempo com o amigo”.
Betty Milan esculpe uma ficção maneirista sobre a amizade e, em apêndice, ecoa a amizade em epigramas e sentenças que se incorporam a seu repertório existencial. Um belo enredo, quase uma nénia confessional. Uma explosão triunfal do culto à fraternidade.
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1. Fábio Lucas foi professor universitário no Brasil e no exterior. Além da militância em associações, como a União Brasileira de Escritores (UBE) e a Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA), é crítico literário atuante e autor de obras como O caráter social da literatura brasileira e Crítica sem dogma, entre outras.