O choro de Neymar

O choro de Neymar

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« O Direito de Perder ».
Folha de S. Paulo, 01/07/2014

Marcou o pênalti contra o Chile, ganhou, sentou na grama e cobriu o rosto com as mãos. Soluçou como uma criança. Poderia ter perdido o jogo, apesar do esforço incomensurável. Ou melhor, não podia, porque o destino do país está nas mãos da Seleção, para não dizer de um menino de 22 anos – nos pés dele, no joelho, no ombro, na cabeça…

Neymar chorou pela moradia, pela educação e pela saúde a que não temos direito. Pela cidade onde viver é particularmente perigoso, pela taxa de homicídio quatro vezes maior do que a média mundial, pelo meio milhão de mulheres estupradas todo ano, pelo assassinato de um gay ou lésbica a cada 28 horas, pelo meio milhão de criminosos encarcerados – majoritariamente pobres, negros ou pardos sem instrução.

Chorou por nós e por ele mesmo, porque está acima das forças de um homem jogar num time que não tem armação, apesar da solidariedade dos seus componentes. Precisa se multiplicar dos dois lados do gramado e, como todos os outros jogadores, ganha muito para ser muito explorado.

Não foi por “fraqueza psicológica” que a Seleção inteira chorou, e sim porque o futebol deixou de ser um jogo para ser um combate. Entendi isso quando, depois da vitória da França contra a Nigéria, o locutor da televisão francesa disse que “foi um belo combate”.

Nós hoje não jogamos; entramos em campo para combater, e os jogadores se transformaram em gladiadores. Não saem de campo mortos, como os gladiadores podiam sair da arena, mas correm o risco de sair numa maca. Ao cantar o seu hino nacional, a expressão é a de quem aposta a propria vida. Porque perder se tornou sinônimo de morrer.
Se o futebol ainda fosse um jogo e a arte de Neymar fosse respeitada, ele poderia se exercitar no seu talento sem pagar com a sua pessoa. O jogo não se transformaria numa tragédia por ser obrigatório ganhar. Quem entra em campo tanto pode ganhar quanto não ganhar. A regra é esta e, se ela não vigorar, o futebol simplesmente deixa de existir. Antes do próximo jogo, nós precisamos conquistar o direito de perder.

O Braaasilll, ou seja, o país do futebol, não é o Brasil, e é impossível se valer daquele para salvar este. Por enquanto, é torcer pelo Braaasilll e esperar que o Brasil possa um dia não mais desperdiçar o seu fôlego e o seu talento.