O amigo não tem preço

O amigo não tem preço

 

Deonísio da Silva (1)

Dizem os Evangelhos que o amigo é um tesouro. E onde está nosso tesouro ali está também nosso coração. Betty Milan, uma das poucas escritoras a retirar nossa prosa de ficção de seu excessivo documentalismo, a cada romance renova temas e problemas, variando sem cessar as formas empregadas em seu tecido narrativo de escritora-Penélope, que não apenas aguarda seu Ulisses, mas que o procura e inventa a cada dia.

Neste Clarão, ela nos alumia com aquela luz que Erico Verissimo dizia ser dever do escritor acender na escuridão, mostrando não apenas o supremo valor da amizade, mas apresentando os modos mais criativos de expressar esse quase-amor.

A amizade só não é amor nestes trópicos porque do lado de baixo do Equador só existe pecado, tudo tem cheiro de transgressão, e no imaginário latino-americano é quase impossível a amizade sem sexo. Não apenas é possível, como em muitos casos a única saída para uma boa amizade é certa continência monacal, que nos eleva e transcende. Retornamos a Platão, é verdade, mas sem suas diatribes contra o desejo.

Como escreveu Michel Foucault, a confissão, aquele espaço de transparência absoluta que pode existir entre amigos, foi arrebatada pelo poder que fez dela um instrumento de escuta, de bisbilhotagem, com o fim de assegurar controles sobre nossos corpos e mentes, com o fim de adestrá-los para uma colocação geral e intensa no mundo da produção.

Hoje, mais do que nunca, Betty Milan mostra-nos o valor da amizade, o tema deste seu belo romance. Qual é este valor? O de que o amigo não custa nada e não tem preço. E a escritora constrói suas tramas de um modo lacônico, minimalista, enxuto, buscando trazer a frase para o haicai. Tudo curto. Tudo breve. Mas tudo profundo e sério. Betty Milan faz inegavelmente um caminho novo na literatura brasileira. Ela criou um estilo. Há um modo Betty Milan de narrar. Esta originalidade já vinha sendo percebida por leitores intuitivos e um dos primeiros a organizar tal juízo em veredictos literários foi o crítico e professor universitário Flávio Loureiro Chaves.

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(1) Deonísio da Silva, escritor e professor universitário, é Doutor em Letras pela USP. Entre seus livros mais conhecidos, publicados também em outros países, estão Avante, soldados: para trás (Prêmio Internacional Casa de las Américas), Teresa (premiado pela Biblioteca Nacional e transposto para teatro) e Os guerreiros do campo
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