Nem tudo se pode ver, ouvir ou dizer
Revista Veja, 12/01/2011
Um músico me escreve para o Consultório Sentimental contando que pertence a uma grande orquestra, mas não tem prazer no trabalho por causa dos colegas. Não suporta o despotismo, a vaidade, a prepotência, a arrogância e a mania de grandeza de alguns. O convívio com “egos inflados” é demasiadamente penoso e ele me pergunta o que fazer.
Eu que sempre faço a apologia do ato generoso da escuta, sugiro ao músico que faça ouvidos moucos. Lembro que tem o privilégio de escutar os sons mais sutis e sabe ouvir o silêncio. Não precisa dar ouvidos ao que não interessa. Inclusive porque os egos inflados estão em toda parte e a luta contra eles não leva a nada. Evitar a luta de prestígio é um bem que nós fazemos a nós mesmos e aos outros.
Para viver, nem tudo nós podemos ver, escutar ou dizer. Isso é representado, desde a antiguidade, através dos três macacos da sabedoria. Cada um cobre uma parte diferente do rosto com as mãos. O primeiro cobre os olhos, o segundo as orelhas e o terceiro a boca. A representação é originária da China. Foi introduzida no Japão, no século VIII, por um monge budista e uma das esculturas mais antigas, datada do século XVII, está no Japão. A máxima implícita na representação é “não ver, não ouvir e não dizer nada de mal”. Foi adotada por Gandhi, que nunca se separou dos três macacos. Levava sempre consigo o cego, o surdo e o mudo, Mizaru, Kikazaru e Iwazaru.
Porque ensinam a não enxergar tudo que a gente vê, a não escutar tudo que ouve e a não dizer tudo que sabe. Noutras palavras, ensinam a selecionar e se conter. Isso é decisivo para uma atitude construtiva, porém não é fácil. Porque somos impelidos a focalizar o que nos prejudica. Impelidos por um gozo masoquista ao qual temos que nos opor continuamente. Só a consciência disso permite não sair do caminho em que a vida desabrocha e é possível enfrentar as dificuldades do percurso.
Seleção e contenção tornam a existência mais fácil. Desde que não sejam um efeito da repressão, como na educação tradicional, e sim do desejo do sujeito. De um desejo vital de se opor às forças do inconsciente que podem fazer mal. Isso implica a humildade de aceitar que o inconsciente existe e nós não somos donos de nós mesmos.
A ideia não é nova. Data de mais de cem anos, da descoberta da Psicanálise por Freud no fim do século XIX, mas continua a ser ignorada porque é difícil se livrar do ego e ser humilde. Sobretudo numa sociedade que valoriza tanto o ego como a nossa e não condena a vaidade, a prepotência e a arrogância. Pelo contrário estimula para se perpetuar.