Nem histérica nem liberada (anos 1970)
Betty Milan
Nem histérica nem liberada. O direito de não ser dita nem uma coisa nem outra, poder não saber quem sou.
Cada vez que ouço a mulher sinto um calafrio, porque esta figura só entra em cena para me expulsar. O outro só fala dela para me obrigar a calar. De que lhe serve a mulher senão de anteparo? serve para que ele evite o risco de me ver e me encontrar. Só porque a paixão da ignorância existe, a mulher insiste.
O outro fala dela e eu logo sei que ele vai me rotular, vou virar megera ou santa, ter uma ou outra índole. Sem dúvida me tornei um bom negócio, um grande tema publicitário, caí, isto sim, na boca do mundo, e, para de novo ser eu mesma, preciso me retirar. A mulher é mais uma derrota.
Tendo sido histérica, ela agora é liberada. Primeiro a fúria uterina a condenava. Agora, para ser, ela deve dar, deve gozar. Se acaso recusa o imperativo, é fria ou frígida. No tribunal do sexo, não escapa ao banco dos réus.
A liberação de hoje me escraviza, eu quero poder não gozar, não poder tudo em matéria de sexo, ter direito às perversões, mas ainda às várias inibições. A ideia de performance não me convém, eu nada quero ter que provar, desejo o corpo no ritmo do seu prazer. Sei o que posso, porém só me sei amada se o outro aceitar o que não posso e não me impuser este ou aquele desempenho.
Se ele me diz que sou uma mulher liberada, desconfio, ele sabe a priori quem sou e para onde vamos, e eu o que quero é transar e me surpreender, errar graças ao meu corpo, encontrar-me subitamente onde nunca estive, atracar numa praia longínqua e desconhecida. A liberdade que desejo é a de poder não saber quem sou para me descobrir, entregar sem medo o enigma do meu gozo e do meu tempo.
Ontem, o outro fez de mim a histérica para me amordaçar. Hoje, me libera para que eu fale e nada diga sobre mim, que sou uma mulher. Assim, eu não quero mais ouvir falar sobre o que a mulher é ou deseja.
Deixar de existir neste discurso já será uma vitória.