Françoise Sagan
Betty Milan
Este texto foi publicado sob o título
“Uma vida sonhando com a literatura”
Folha de S. Paulo, 25/09/2004
Quando Françoise Sagan publicou Bonjour tristesse, eu era adolescente. Pela sua musicalidade, o título Bom dia, tristeza nunca me saiu da cabeça. Conheci essa mulher que foi um grande mito da minha geração no começo dos anos 1990. Não foi fácil encontrá-la. Telefonei pedindo uma entrevista para o jornal Folha de S. Paulo. A secretária sugeriu que eu escrevesse a Madame Sagan. Escrevi e fiquei um bom tempo esperando a resposta positiva, que enfim chegou.
No dia marcado, a secretária me fez entrar só para me dizer que a escritora não estava disposta, pois acabava de perder um amigo. Embora decepcionada, eu entendi. Um mês depois, a entrevista foi remarcada e ela me recebeu no seu apartamento da rue de l’Université em Paris. A sala era grande e despojada, apesar dos muitos quadros nas paredes e de um luxuoso piano preto de cauda. O vazio, a pintura e a música, além dos dois olhos baços de Sagan.
A razão da entrevista era o último livro dela, E com toda a minha simpatia em que, além de retratar algumas grandes personalidades — Ava Gardner, Catherine Deneuve, Fellini e Gorbatchev —, ela fazia a apologia do riso, afirmando que no gosto do riso existe generosidade e inocência.
Perguntei o que significou ter publicado Bonjour tristesse aos 18 anos e ter se tornado célebre, o que a glória havia trazido a ela de positivo e o que havia lhe custado. “De positivo, o fato de que me livrou do desejo do sucesso. Todo mundo quer ter sucesso quando faz alguma coisa. Eu tive, e muito, de modo que não sonhei mais com ele. De negativo, só o fato de que me privou da possibilidade de estar incógnita nos lugares.”
Quis saber com o que ela então passou a sonhar e a resposta me encantou: “Eu sonhava com a literatura e continuei a sonhar com ela, com a possibilidade de escrever um livro sublime. Como Stendhal, Proust, Dostoiévski, Hemingway, Fitzgerald”.
Respirei fundo a literatura com que ela sonhava e voltei a Bonjour tristesse, que eu havia relido um pouco antes com a alegria de redescobrir um livro que ousou colocar em cena o desejo incestuoso de uma mulher e, nesse sentido, foi precursor.
Françoise escreveu-o nos cafés do Quartier Latin e na Sorbonne durante suas aulas. De sorbonícola ela, aliás, não tinha nada. Ser livre era sua vocação profunda. Quando perguntei o que era liberdade, a resposta foi: “Querer o que a gente pode, como dizia Sartre”. Acrescentou que era inútil procurar a liberdade. Que ela simplesmente acontece. “Um dia, a gente encontra alguém e se sente livre.”
No fim da entrevista, ela me falou do riso, considerando que “rir, apesar disso ou daquilo, é uma coisa boa e é preciso ter coragem para tanto”.
Françoise Sagan, que só queria entrar para a Academia Francesa para não ter mais problemas com a polícia — por causa do consumo de morfina depois do álcool —, deixou de estar entre os vivos aos 69 anos e entrou para a constelação dos que são grandes porque estão comprometidos com a amizade, com o riso e com a arte.