E o que é o amor? (1983)
P: Você acredita no amor?
BM: Piamente. Ainda mais do que na época em que eu escrevi O que é o amor? De certa forma, eu preferia não mais viver o amor-paixão, pelo que há de melancólico nessa forma de amor. Quem ouviu a ópera A dama das camélias se lembra da ária em que ela canta Cruz e delícia. O amor é cruz e delícia, é Santa Teresa d’Ávila dizendo que quer morrer de não morrer, é Romeu e Julieta se suicidando.
P: Mas o amor é só sofrimento?
BM: O amor é trágico, mas é ele, por outro lado, que permite superar a condição trágica do ser, permite que esqueçamos a morte e as perdas todas a que nós estamos sujeitos. O amor é uma flor do mal que é um bem, como eu disse no meu livro O que é o amor? Ninguém, aliás, expressou melhor o caráter contraditório do amor do que Camões dizendo “amor… um fogo que arde sem se ver… ferida que dói e não se sente… contentamento descontente… dor que desatina sem doer”.
P: Você acha que amamos o amor?
BM: Nós humanos tanto amamos o amor que, se o ser amado não existe, nós o inventamos. O Quixote não inventou a Dulcineia? Não fez e aconteceu por causa dessa invenção? O amor move montanhas, ou melhor, como dizia Dante, move o sol e as estrelas, ainda que ele seja o desejo impossível de fazer um só de dois – dois sujeitos, cada um com um desejo diferente. E, como dizia Lacan, o meu analista, a quem eu amorosamente dediquei meu romance O Papagaio e o Doutor, a razão de ser do amor é essa impossibilidade.
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Entrevista concedida à TV Record, anos 1980.