Congresso: por que não?

Congresso: por que não?

 

Claudio Willer é meu amigo de infância. Fomos vizinhos, durante décadas, e marcávamos poeticamente a hora dos encontros: 9:32 ou 12:13. Mostro a ele os meus textos, porque sabe me ler. Inclusive fez os posfácios d’O Clarão e d’A Trilogia do Amor. Convidei-o para almoçar, sugerindo que viesse com Joaquim Maria Botelho e convidei outro amigo de infância, Deonísio da Silva. Faríamos um almoço de escritores aqui na Ministro Rocha Azevedo, onde gosto de receber. Uma tradição paulista em vias de desaparição.

Durante o almoço, falamos do Congresso da UBE e eu sugeri ao Joaquim uma entrevista para o jornal sobre o livro nos tempos da internet com Jean Sarzana, ex-diretor do Sindicato Nacional dos Editores na França e autor, com Alain Perrot, do livro Impressions numériques Através da entrevista seria possivel abordar questões essenciais. Como, por exemplo, o que mudou na história do livro com a internet . Como devemos nos organizar para defender os direitos  autorais, cada vez mais ameaçados pelos operadores que trabalham em escala planetaria. Que livros tendem a desaparecer do mercado e que efeitos a internet tem sobre a literatura. Que parceria entre autores e editores é necessária a fim de que o espaço já reduzido da literatura não se reduza ainda mais.

Já no dia seguinte, Joaquim me enviou um e-mail aceitando a sugestão, dando o número de toques “10.000” e a data limite para o trabalho “15 dias”. Mais que isso, me pedia um texto de duas laudas sobre o que eu espero do próximo congresso da UBE. Um ato generoso, de reconhecimento.

No entanto, me perguntei se ele acaso imaginava que sou jornalista… se escrevo como máquina, etc… Ao me perguntar isso, paradoxalmente me dei conta de já ter escrito o equivalente a 6 livros na imprensa (Jornal da Tarde, Folha de S. Paulo, Veja e outros veículos). Uma pergunta sem pé nem cabeça, que me levou a uma segunda pergunta interessante: Por que você trabalhou tanto no jornal se é escritora? Conduzida pelo « monologozinho », cheguei no próximo Congresso da UBE. O que espero?

Antes de mais nada, uma política de defesa da literatura brasileira, cada vez mais ameaçada pela globalização. Tanto no Brasil, onde as editoras estão com os olhos postos no best sellers, quanto no exterior, onde a nossa literatura é pouco e mal editada, em geral, mal traduzida e pouco difundida. Nem mesmo os autores literários que se impuseram são realmente lidos.
A língua é o maior tesouro de cada povo e o escritor comprometido com a renovação da língua, ou seja, aquele que trabalha na contramão da comunicação, precisa de apoio. Do contrário, não tem como se dedicar à sua arte, que implica a recusa da língua pobre da mídia e da internet.

Tal política de defesa implica boas políticas públicas, com mais bibliotecas e aquisição de livros. Deve insistir numa distribuição análoga à do best seller e numa difusão semelhante à que existe na França, onde, meses antes do lançamento, a obra é apresentada aos jornalistas e aos livreiros e, consequentemente, tem o impacto de uma aparição, se vende e se exporta.

Espero ainda uma política junto à Biblioteca Nacional para a exportação da literatura. Porque, como diz Salman Rushdie: « Os escritores são os cidadãos de muitos países: o país limitado e ladeado pelas fronteiras da realidade observável e da vida cotidiana, o reino infinito da imaginação, a terra semiperdida da memória, as federações do coração simultaneamente incandescentes e geladas, os estados unidos do espírito (calmos e turbulentos, largos e estreitos, regulados e desregulados), as nações celestes e infernais do desejo e — talvez a mais importante das nossas moradas — a república sem entraves da língua ».

Para exportar, é necessário subvencionar traduções e formar tradutores, pois, na tradição feliz de Mario de Andrade, nós tendemos a estilizar a oralidade e o nosso português não é conhecido no exterior, contrariamente ao de Portugal. Foi graças a uma ação competente das instituições culturais de Portugal na França – e na Europa em geral, incluindo a Suécia do Nobel – que a literatura de um Saramago, de um Lobo Antunes, de uma Lídia Jorge se impôs. Por que não ir pelo mesmo caminho trilhado pelos lusófonos que se impuseram? Por que não ter a mesma aspiração?

Last but not least, espero que o próximo congresso faça o espírito da amizade vigorar, ensinando a ética da qual a literatura tanto depende para existir, a do amigo que, além de ser um pacifista, é um protetor. Ilumina quando a paixão cega. Traz felicidade porque quer o contentamento do outro, respeita a sua liberdade.

Infindáveis os exemplos de amizade na literatura. Quero evocar aqui a de Montaigne com La Boétie. Não apenas por causa da frase mais poética sobre a razão da amizade – « Porque era ele e porque era eu » –, mas ainda para lembrar que os dois amigos tinham idéias diferentes sobre o sentimento que os unia. Para Montaigne, a amizade não é somente a aproximação de dois indivíduos, porém a fusão das suas almas.  Já La Boétie tem uma concepção racional. Considera que ela resulta de uma « mútua estima » e se sustenta na integridade dos amigos e na igualdade entre os mesmos.

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« Congresso: por que não? », UBE: O Escritor, 06/2011.