A força da palavra

A força da palavra

Lançamento do livro, 1996

 

Sem a Folha de S. Paulo, eu não teria feito este trabalho, sem a orientação e a escuta dos editores, com os quais eu trabalhei, teria sido impossível realizar as entrevistas reunidas no livro A força da palavra. Foram quase todas com francófonos.

Da França e de outros países, como, por exemplo, o filósofo Jacques Derrida, da Argélia; o romancista Ben Jelloun, do Marrocos; o poeta Edouard Glissant, da Martinica; a biógrafa de Eva Peron, Alicia Dujovne-Ortiz, da Argentina.

Já, por aí, dá para deduzir que A força da palavra é um livro mestiço.

A questão da mestiçagem é, aliás, uma das três questões que enformam o conjunto.

São elas: o que é ser um mestiço, o que é ser um exilado e o que é ser um escritor.

Foi para responder a essas questões que eu entrevistei os diferentes escritores e intelectuais, e é sobre o que eu aprendi com o trabalho, sobre a peculiaridade da entrevista com escritores e intelectuais, que eu posso falar e gostaria de dizer algumas palavras.

Primeiramente, sobre o objetivo desse tipo de entrevista. Nela, o que interessa não é a vida da pessoa, mas o modo de existência do autor.

Isso significa que a gente se vale da entrevista para induzir o entrevistado a refletir sobre a forma através da qual o autor entra em cena e sobre os recursos utilizados para dar expressão à coisa que existe em estado de matéria bruta e exige o trabalho de lapidação para se tornar uma obra de arte ou uma obra teórica.

Nisso que eu acabo de dizer há um pressuposto: o de que é preciso diferenciar o autor da pessoa.

Noutras palavras, o autor é uma função que pode ou não se renovar na pessoa.

Ninguém, aliás, ignora o medo que o criador tem de deixar de criar.

Quem sabe da diferença entre o autor e a pessoa poderá facilmente interessar o entrevistado na entrevista, porque, também para o entrevistado, o autor é um enigma.

Eu diria que a boa entrevista com intelectuais e artistas é aquela em que tanto o entrevistado quanto o entrevistador desejam entender o ato de criação.

Não é preciso acrescentar que, nesse caso, não existe luta de prestígio entre os dois, e a entrevista resulta num encontro.

Isso, aliás, implica uma certa maneira de proceder em que a gente orienta a entrevista, porém não dirige o entrevistado.

Se prepara, lê o livro e formula as questões.

Depois, se deixa nortear pelo roteiro, mas não se submete a ele, não evita o desvio, porque é através do desvio que o autor pode se revelar.

Em outros termos, o entrevistador não é avesso à surpresa, porque ele sabe quão longe a surpresa pode levar.

Ele aceita correr o risco de se desviar, porque, depois de ter escutado o entrevistado, ele dispõe do tempo da escrita, que obviamente não é o da simples transcrição.

Quem quer transmitir ao leitor o perfil do autor tem que editar a fala do entrevistado, o que não significa banalizá-la através de clichês e sim dar ênfase às palavras que são efetivamente reveladoras, escrever à maneira do escritor, à maneira de quem só se submete às palavras porque sabe da sua extraordinária força.

Isso requer uma postura ética, exige do entrevistador que ele use o poder, mas não abuse do poder que o jornal lhe deu.

Porque o abuso é rapidamente detectado pelo entrevistado e significa o fracasso do entrevistador.

 

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Lançamento do livro A força da palavra, Auditório do jornal Folha de S. Paulo, São Paulo (SP), 12 de agosto de 1996.