A bolsa ou a vida

A bolsa ou a vida

Publicado em 25/11/2008 em
http//veja.abril.com.br/noticia/brasil/bolsa-ou-vida

Uma abordagem psicanaílitica da crise

Por que a pessoa investe em ações sabendo que está sujeita à variação de capital e à perda? Por masoquismo? Não. Embora a bolsa seja indissociável da oscilação, o investidor tem certeza de que vai ganhar. Negando a realidade dos fatos, diz para si mesmo que ele não há de perder. Exatamente como o fumante diz que ele não há de ter câncer. “Não é comigo” e a pessoa vai em frente. Insiste na ilusão de que não corre risco porque, como todos nós, desacredita a realidade que a contraria.

Depois, quando as ações despencam, a pessoa diz: “—E daí? Sobe de novo, volta, basta não mexer que eu recupero e até dobro o capital”. Ao dizer isso, por um lado, faz pouco do gozo presente do dinheiro e, por outro lado, nega a possibilidade de morrer antes da alta. Comporta-se como se não estivesse exposto à morte e aos seus caprichos, como se tivesse o controle do tempo. Procede assim porque, como todos nós, ela inconscientemente não acredita que seja mortal.

A crise econômica revela as razões subjetivas pelas quais nos tornamos vítimas dela, ficando, por exemplo, nas mãos da bolsa em vez de dispor do dinheiro para investir ou gastar sem culpa e ser feliz. Quem viu o capital se esfarinhar, hoje está atrelado ao sobe e desce das ações, e, nenhuma recuperação econômica futura, pode compensar o sentimento de perda e a perda real de liberdade.

No afã de capitalizar investindo em ações, esquecemos o tempo que passa e nos determina. Possível até que este afã se explique pelo desejo de esquecer que estamos sujeitos ao tempo e ao duro limite da morte. A bolsa tanto serve à fantasia da capitalização mágica quanto da imortalidade. Daí o fascínio que ela exerce em todos os tempos e países. Daí o risco que implica, considerando-se os efeitos nefastos que pode ter sobre a vida.

Não há como escapar às consequências da crise, mas esta nos servirá se aprendermos que a ilusão pode trazer grandes dissabores e a negação da realidade pode ser mortífera. Se formos capazes de nos confrontar com a nossa paixão da ignorância para exigir a verdade sobre as razões objetivas e subjetivas do desastre econômico.

Paradoxalmente, a crise pode ser benéfica porque graças a ela podemos nos reposicionar no mundo, reconsiderando a nossa relação com o dinheiro e a vida. Concluindo mesmo que pagar a capitalização com o sono perdido não compensa, é caro demais.